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OS EXPLORADORES

ESPECIAIS/VE MUNDOS PERDIDOS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data22/05/2023
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As histórias de exploradores encontrando mundos e povos perdidos nos locais mais remotos do planeta tornaram-se comuns no século 19.

Ilustração de A. D. McCormick.

Apesar de as histórias de mundos perdidos e de povos perdidos estarem incluídas no mesmo subgênero, alguns autores separam as duas vertentes. Por exemplo, em uma enciclopédia voltada para a ficção científica, como a The Visual Encyclopedia of Science Fiction, o texto referente ao tema começa citando O Mundo Perdido (The Lost World, 1912), de Arthur Conan Doyle, deixando de lado a influência das histórias de H. Rider Haggard que, por sua vez, são citadas em outras enciclopédias de ficção científica; e, certamente, surgem nos textos e enciclopédias sobre fantasia, gênero com o qual as histórias de Haggard são mais comumente identificadas.

Capa de Dan Gonzalez (Tor/ 1998).

No entanto, a maioria dos críticos concorda que a maior influência das histórias do gênero se deve mesmo à série de livros escritos por Haggard, a começar por As Minas do Rei Salomão (King Solomon’s Mines, 1885), ainda que outros mundos perdidos tenham sido encontrados antes, como o mundo subterrâneo de Viagem ao Centro da Terra (Voyage au Centre de la Terre, 1863), de Júlio Verne, obra mais comentada na matéria sobre a “Terra Oca”.

                                                                                                                       (Ballantine Books/ 1963).

Outros livros de Haggard na mesma linha foram Allan Quatermain (Allan Quatermain, 1887) e Ela (She, 1887. Publicada originalmente em The Graphic, em 15 partes, entre 1886 e 1887); como disseram David Pringle, Brian Stableford, Peter Nicholls e David Langford, os dois últimos livros “introduziram o imensamente popular tema erótico da rainha ou grande sacerdotisa linda que tenta seduzir o herói”. O explorador Allan Quatermain, visto em As Minas do Rei Salomão, retorna à África com seu amigo Sir Henry Curtis, o capitão John Good e o chefe zulu Umslopogaas, e encontra o reino de Zu-Vendis, habitado por guerreiros de pele branca que são liderados por duas irmãs, Nyleptha e Sorais, que protegem os exploradores, ainda que os sacerdotes locais quisessem matá-los. O tema ao qual os críticos se referiam surge quando as duas irmãs se apaixonam por Curtis, mas ele se interessa apenas por Nyleptha, que rejeitou um nobre local. O cenário está pronto para a eclosão de uma guerra civil, cada irmã de um lado.

Capa de Dean Ellis (Ballantine Books, 1973).

Haggard voltou à África apresentando outro povo misterioso em O Povo da Névoa (The People of the Mist, 1894), com o personagem Leonard Outram, um aventureiro pobre que quer recuperar a fortuna da família. Ele também tem um companheiro zulu, Otter, e eles salvam uma mulher e sua babá da escravidão, e Leonard e a mulher ficam atraídos um pelo outro. A busca dos exploradores é pelo “povo da névoa” do título, de quem se diz possuir um imenso tesouro, mas que está em meio a um conflito entre seu rei e os sacerdotes de uma religião que cultua um imenso deus crocodilo.
Mais uma vez na África em The Yellow God (1908), dessa vez com o Major Alan Vernon e seu empregado Jeekie, que descobrem o povo perdido de Asikis, civilização governada por uma mulher linda e malévola que lembra a Ayesha de Ela. Claro que ela se apaixona por Vernon e acha que ele é a reencarnação de seu amado e decide mantê-lo a seu lado para sempre.

The Yellow God. Capa de A.C. Michael (Armchair Fiction, 2016); Queen Sheba's Ring (The Echo Library, 2012).

E, em 1910, ele publica O Anel da Rainha de Sabá (Queen Sheba’s Ring. No Brasil, Cia. Editora Nacional), narrando a aventura africana do médico inglês Richard Adams em busca de um lendário anel, o mais precioso do mundo, que o rei Salomão teria dado a seu amor, a rainha de Sabá. A história foi publicada originalmente em Nash’s Magazine entre abril e novembro de 1909. O filho do médico foi raptado na África e, após 10 anos, Adams descobre que ele é prisioneiro de uma tribo chamada Fung, que adora uma esfinge com cabeça de leão. Os inimigos dos Fung são os Abati, que moram em uma cidade-fortaleza chamada Mur, governada pela rainha Walda Nagasta, também conhecida como Maqueda, descendente da rainha de Sabá, e que promete ajudá-lo a resgatar o filho.

 

(Lebooks Ed./ 2021).

A influência de Haggard é imensa no gênero, mas ainda na primeira metade do século 19 esse tipo de história já tinha sido desenvolvido por Edgar Allan Poe, em A Narrativa de Arthur Gordon Pym (The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket, 1838), para alguns críticos, de forma magistral; para outros, como um dos maiores fracassos da carreira de Poe. O fato do escritor jamais ter terminado sua história também ajudou as críticas negativas. Ainda assim, geralmente o livro é apontado como uma grande influência na história de H.P. Lovecraft, Nas Montanhas da Loucura (no Brasil, publicado em A Casa das Bruxas. Mais sobre o livro em Nos Sonhos e nos Pesadelos de Lovecraft e em O Mal e o Terror Absolutos).
O personagem central, Arthur Gordon Pym, entra como clandestino no navio Grampus, em companhia de seu amigo Augustus Barnard, cujo pai é o capitão do navio. Após um motim violento no navio, Augustus, Pym e Dirk Peters, um dos amotinados que se arrependeu, retomam o navio, deixando vivo apenas Richard Parker, para ajudar a pilotar o navio. Mas seus problemas continuam quando enfrentam uma terrível tempestade. Augustus e Parker morrem, e Pym e Peters são resgatados pelo navio Jane Guy, que vai explorar as regiões antárticas.

                                                                                                                                          Capa de Yevgeny Garin (Coppens & Frenks, 2002).

E na Antártida eles encontram uma ilha chamada Tsalal, habitada por negros que desconhecem a cor branca (até seus dentes são pretos), com uma fauna e flora completamente desconhecida, e até mesmo a água é diferente. Inicialmente amistosos, os nativos preparam uma emboscada e eliminam a tripulação, com apenas Pym e Peters sobrevivendo ao se esconderem nas montanhas, onde encontram passagens com suas paredes cobertas de marcas, provavelmente inscrições antigas. A história acaba abruptamente, mas certamente foram essas passagens com estranhas inscrições que inspiraram Lovecraft.
Em sua The Mammoth Encyclopedia of Science Fiction, George Mann diz que o personagem Pym encontrou “(…) uma ilha habitada por humanos estranhos e bestiais que são, de fato, uma negativa direta da humanidade regular. (...) Pym encontrou o mundo antitético, cujos valores são fundamentalmente opostos àqueles que ele conhece: os habitantes da ilha massacram a tripulação do navio devido ao seu próprio medo de tudo o que é branco”.
A história foi publicada de forma anônima o que, segundo os críticos John Clute e David Ketterer, levou algumas pessoas a pensar que ou se tratava de uma história verdadeira ou de uma farsa. E, ao contrário de Mann, Clute e Ketterer entendem que a paranoia e precaução dos habitantes da ilha se deve ao fato de que eles já tinham encontrado homens brancos antes. “Eventualmente”, eles dizem, “Pym escapa deles através de cânions moldados em hieróglifos, e depois de canoa cada vez mais para o sul, até que (...) uma figura gigante parece chamá-lo para baixo, e ele mergulha através de um portal maravilhoso para o que pode ser a Terra Oca”.
Edgar Allan Poe também faz referência a uma cidade desconhecida no poema A Cidade no Mar (1831; inicialmente com o título The Doomed City; depois, The City of Sin; e finalmente The City on the Sea). Refere-se a uma cidade governada pela Morte e, segundo Clute e Ketterer, está relacionado a vários mitos de cidades submersas, e inspirou o filme O Monstro da Cidade Submarina (War Gods of the Deep, 1965).

Ilustrações de A. D. McCormick para A Narrativa de Arthur Gordon Pym (Downey & Co., 1898).

Os críticos também disseram que A Narrativa de Arthur Gordon Pym foi de fato “completada”, ainda que nunca satisfatoriamente, por outros autores. Além do conto de Lovecraft, eles citaram A Esfinge dos Gelos (Le Sphinx des Glaces, 1897. No Brasil, Ed. Centaur/ Montecristo Editora/ Círculo do Livro), de Júlio Verne, no qual não apenas é realizada uma expedição à Antártida, mas o próprio Dirk Peters é um dos personagens. Além de enfrentarem inúmeras dificuldades, encontram a esfinge de gelo do título, que possui uma fortíssima força magnética.
Outro livro que segue a história de Poe é A Strange Discovery (1899), de Charles Romyn Dake, que John Clute diz ser competente, mas não fora do comum, imaginando que Pym e Dirk Peters descobriram uma colônia romana escondida em uma ilha na Antártida, uma espécie de utopia na qual os habitantes desenvolveram poderes mentais.

The Phantom City (Roy Glashan's Library, 2020); A Queer Race (Street & Smith Publications, Inc., 1900); Don or Devil (C. Arthur Pearson, 1901).

O final do século 19 foi marcado por uma série de histórias envolvendo essas civilizações desaparecidas, escondidas, como os livros do inglês William Bury Westall (1834-1903), começando com The Phantom City: A Volcanic Romance (1886), no qual um explorador viaja de balão e encontra descendentes dos incas vivendo em um vulcão na Guatemala, ainda com o mesmo nível de desenvolvimento que tinham antes da chegada dos espanhóis. Porquê a Guatemala, não sei. Ele ainda publicou A Queer Race: The Story of a Strange People (1887), apresentando uma ilha habitada por ingleses que sofreram mutações em suas peles; e Don or Devil? (1901), dessa vez na lendária cidade perdida de Manoa, na Venezuela, e mais uma vez com descendentes de ingleses que não apenas se misturaram aos nativos, mas também os combatem.

Capa de Georges Noblet (Oneworld Classics/ 2009).

John Clute diz que uma das melhores histórias de povos perdidos do século 19 foi A Strange Manuscript Found in a Copper Cylinder, de James De Mille, e também antecede as obras de H. Rider Haggard. Foi publicado postumamente em 1888 (De Mille faleceu em 1880), mas foi escrito no final dos anos 1860. O cilindro de cobre do título contém um manuscrito de Adam More, um marinheiro inglês, único sobrevivente de um naufrágio, que encontrou um vale perdido em uma ilha em um mar interior no Polo Sul. Nesse local, o clima é temperado devido a um vulcão, e existem animais pré-históricos, além de um povo de origem semítica, os Kosekin, que desenvolveram uma sociedade em tudo oposta à ocidental, na qual a pobreza é sinal de fortuna, e morte e escuridão são preferidas à vida e luz.
John Clute diz que “Como a estrutura narrativa da sátira deixa claro, essas ênfases, que revertem todos os valores normais ‘civilizados’, foram planejados por De Mille para serem lidos de forma positiva”.

Muitas histórias foram publicadas no final do século 19 e início do século 20 e, como diz David Pringle, “Os próprios títulos dos livros, que agora se vê como uma litania nostálgica, indicam a amplitude de temas e localizações geográficas. Abundam as rainhas brancas, assim como mundos interiores, vales secretos, cidades escondidas e os sempre sedutores tesouros há muito perdidos”.
Veja a seguir algumas dessas obras.


HE (1887)/ IT (1887)/ KING SOLOMON’S TREASURES (1887)

John De Morgan.

(Literary Licensing/ 2014).

Os três livros de John De Morgan são paródias aos livros de H. Rider Haggard, com os títulos completos: HE: A Companion to SHE: Being a History of the Adventures of J. Theodosius Aristophano on the Island of Rapa Nui in Search of his Immortal Ancestor: With a Map and Numerous Illustrations e, como diz o título, a história envolve uma viagem para a Ilha de Páscoa à procura de um ser immortal; IT: A Wild, Weird History of Marvelous, Miraculous, Phantasmagorial Adventures in Search of HE, SHE and JESS, and Leading to the Finding of IT: A Haggard Conclusion, e traz de volta o personagem Allan Quatermain na África, procurando uma mulher imortal, mas encontrando o elo perdido; o terceiro livro também diz respeito a um ser imortal, e também apresenta um pterodáctilo.


THE MOUNTAIN KINGDOM: A NARRATIVE OF ADVENTURE (1888)

D. Lawson Johnstone.

(Sampson Low, Marston, Searle, & Rivington, 1888).

A maioria dos livros do autor tinham os jovens como público. Aqui, um jovem explorador viaja para Kisnia, no Tibete, também chamado de Reino das Montanhas Fumegantes, habitado por descendentes dos antigos gregos.

 

 


THE AZTEC TREASURE HOUSE: A Romance of Contemporaneous Antiquity (1890)

Thomas A. Janvier.

(DigiCat, 2022).

O narrador aventura-se em uma viagem ao México e encontra uma tribo perdida de astecas, além de um tesouro escondido.


 

 


THE PARADISE OF THE NORTH: A Story of Discovery and Adventure Around the Pole (1892)

D. Lawson Johnstone.

(W. & R. Chambers, 1892).

Outra história de mundo perdido de Johnstone, dessa vez com o protagonista encontrando um mundo perdido no Polo Norte, habitado por escandinavos.

 

 


THE LOST CANYON OF THE TOLTECS: An Account of Strange Adventures in Central America (1893)

Charles S. Seeley.
Pseudônimo de John William Munday, aqui produzindo uma obra para jovens, narrando a descoberta dos remanescentes da cultura tolteca no Panamá. Como informa John Clute, o sacerdote supremo do povo não gosta das invenções dos protagonistas norte-americanos, o que causa imensos problemas.


 

 


THE WONDERFUL CITY (1894)

J.S. Fletcher.

(Thomas Nelson & Sons, 1894).

Livro escrito para jovens, dessa vez apresentando uma civilização perdida em pleno Velho Oeste americano, cujo acesso se dá por um túnel, no qual existe um rio que leva os personagens ao local escondido de um povo que têm uma vida ecologicamente sadia, mas que são ameaçados pela erupção de um vulcão.


 


THE DEVIL TREE OF EL DORADO: A Romance of British Guiana (1896)

Frank Aubrey.

(Wildside Press, 2001).

Pseudônimo do engenheiro e escritor inglês Francis Henry Atkins. Segundo o crítico John Eggeling, o livro aproveitou o interesse que havia na época com o platô do Monte Roraima, localizado na fronteira disputada entre a Venezuela e a então colônia britânica da Guiana. Uma expedição científica é enviada ao local, na época um dos pontos mais inacessíveis do planeta. A árvore do título é uma árvore carnívora capaz de devorar pessoas, e os exploradores são levados ao topo do monte por um gigante misterioso chamado Monella, que na verdade é o antigo rei da região, com dois mil anos de idade.

 


THE GREAT WHITE QUEEN: A Tale of Treasure and Treason (1896)

William Le Queux.

(F. V. White and Co., 1896).

Mais uma aventura recheada de mistérios passada na África, para onde vai o jovem Scarsmere, em companhia do amigo Omar, que conhece um uma escola londrina. Eles viajam para o reino da misteriosa rainha.


 



THE CITY OF GOLD (1896)

Edward Markwick.

(Tower Publishing Co., 1896).

O livro tem como subtítulo A Tale of Sport, Travel and Adventure in the Heart of the Dark Continent, e os personagens centrais vão para a África e encontram um local perdido, com uma população cientificamente avançada e de origem semítica, possuindo inclusive armas de raios. Eles são governados por uma Grande Feiticeira Branca que se apaixona pelo herói. A existência de uma sociedade tecnológica avançada parece ser uma das poucas exceções no caso das histórias de mundos e povos perdidos, como David Pringle ressaltou e comentamos ao final da matéria anterior.



THE EYE OF ISHTAR: A Romance of the Land of No Return (1897)

William Le Queux.

Capa de Alfred Pearse (1897).(Digibooks/ 2021).

A aventura apresenta Al-Motardjim, um dervixe do norte da África, que viaja ao centro do continente e, depois de uma série de problemas, chega à cidade de Ea, escondida do restante da civilização e descendente da Babilônia.

 



THE WHITE PRINCESS OF THE HIDDEN CITY (1898)

D. Lawson Johnstone.

(W. & R. Chambers/ 1898).

Com o subtítulo Being the Record of Leslie Rutherford’s Strange Adventures in Central America, é mais um mundo perdido de Johnstone, como diz o título, na América Central, habitado por uma raça de pessoas brancas.


 


THYRA: A ROMANCE OF THE POLAR PIT (1901)

Ames Bennet.

(IndoEuropeanPublishing, 2011).

Segundo John Clute, o livro é um bom exemplo das histórias de mundos perdidos polares, muito populares na virada do século. Apresenta três exploradores que se encontram próximos da morte no Polo Norte quando descobrem um balão que os conduz a um mundo perdido, com clima mais ameno, e no qual existem animais pré-históricos, homens-macaco selvagens, sacerdotisas clarividentes e uma sociedade cujas vidas são baseadas na antiga Islândia.

 


THE GREAT WHITE WAY (1901)

Albert Bigelow Paine.

(The Echo Library, 2020).

O livro tem o título complementar A Record of an Unusual Voyage of Discovery, and Some Romantic Love Affairs Amid Strange Surroundings. É mais um exemplo de um mundo perdido polar, dessa vez na Antártida. Ele é descoberto por um homem de negócios e um funcionário de uma incorporadora de imóveis. O mundo em questão tem clima ameno e uma sociedade utópica, habitada por telepatas, mas os dois exploradores são obrigados a ir embora depois que os habitantes ficam sabendo das intenções do incorporador de imóveis.


KING OF THE DEAD: A WEIRD ROMANCE (1903)

Frank Aubrey.

(Armchair Fiction/ 2018).

Segundo John Eggeling, o livro tem quase os mesmos personagens de seres quase imortais de outros livros do autor, mudando os nomes e mantendo quase a mesma história sobre um povo perdido na Amazônia. Para complicar o enredo, em determinado momento os mortos ressuscitam.

 



BY THE GODS BELOVED (1905)

Baroness Orczy.

Capa de Troy Kinney (Dodd, Mead & Co., 1907).

Obra publicada posteriormente (1907) com o título The Gates of Kamt. Esse mundo perdido é uma fortaleza no topo de uma montanha no norte da África, habitado por descendentes dos antigos egípcios.