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FOGUETES, ESPAÇONAVES E MUITO MAIS

ESPECIAIS/VE AS ESPAÇONAVES DA FC

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data17/12/2019
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No século 20, os foguetes e naves espaciais começaram a tomar novas formas e partir para locais cada vez mais distantes do universo.

A maioria dos críticos e historiadores da ficção científica concorda que a forma pela qual as naves espaciais passaram a ser representadas, tanto nas histórias quanto nas ilustrações, mudou bastante a partir do início do século 20, deixando de lado os métodos de construção e de navegação até então mais conhecidos. Isso se deveu, por um lado, à transformação das histórias propriamente ditas, mas também – e, talvez, especialmente – devido à evolução do conhecimento e da tecnologia referente aos foguetes e formas de propulsão.
E as histórias envolvendo essas naves não eram poucas. Brian Stableford lembra que o voo para o espaço é “o” tema clássico da ficção científica e que quando a FC tornou-se popular, não apenas na literatura, mas também no cinema, no rádio, na televisão e nos quadrinhos, “(...) muitos dos trabalhos arquétipos produzidos para esses veículos eram romances de viagens espaciais”.

A nave de A Mulher na Lua (Universum Film/ Fritz Lang-Film).

Harry Harrison diz que a ideia da propulsão por foguetes entrou na fc a partir do final dos anos 1920, quando surgiram as sociedades nacionais de foguetes. As chamadas “rocket societies” formadas naquela época reuniam entusiastas pelos voos espaciais, geralmente amadores que defendiam a utilização de foguetes para realização dos voos espaciais. Dessas sociedades desenvolveram-se os grupos profissionais de engenheiros de foguetes nos laboratórios de governos e corporações. Como não podia deixar de ser, com a aproximação inevitável de uma guerra mundial, muito do conhecimento obtido foi voltado para o desenvolvimento de armamentos.
Um dos grupos mais conhecidos foi o American Interplanetary Society (posteriormente, American Rocket Society), fundado em 1930 por escritores de ficção científica, entre eles G. Edward Pendray, David Lasser e Laurence Manning. Nos EUA, o engenheiro e físico Robert Goddard era praticamente o único profissional estudando a forma de propulsão para foguetes, desde 1911, e é tido como o criador do primeiro foguete de combustível líquido, em 1926.

                                                                                                                                      A Mulher na Lua.

Na Alemanha, Hermann Oberth e Willy Ley também fundaram uma sociedade em 1927. Ley transferiu-se para os EUA em 1935, insatisfeito com a política nazista em seu país. Oberth ficou e, juntamente com Wernher von Braun, trabalhou para tornar os foguetes uma realidade. Ele teve uma experiência malograda quando deveria lançar um foguete como publicidade para o filme A Mulher na Lua (Frau im Mond, 1929), de Fritz Lang, mas o projeto não funcionou.
O filme de Lang foi baseado no livro com o mesmo título escrito por sua esposa, Thea von Harbou, que por sua vez, conforme dizem os críticos, foi baseado no livro de Willy Ley, Die Möglichkeit der Weltraumfahrt (1928, “A Possibilidade da Viagem Interplanetária”). Oberth também teve participação o filme, atuando como consultor técnico, em particular para a construção do foguete.
Harrison disse que, após esse período, os foguetes passaram a ser considerados como um modo aceitável de transporte, até mesmo tornando-se um clichê utilizado pela maioria dos escritores do gênero na época. No entanto, diz Harrison, os foguetes da ficção eram notoriamente artefatos não confiáveis, como a capa da Astounding Science Fiction, em fevereiro de 1939, deixa bem claro.

Segundo Brian Stableford, as viagens espaciais só passaram a fazer parte das características próprias da ficção científica depois que o gênero foi identificado e delimitado por Hugo Gernsback, e, mesmo então, não foi um movimento estratégico por parte de Gernsback. “Ele estava principalmente interessado no futuro”, diz Stableford, “e no efeito geral da tecnologia na história – para ele, a viagem espacial era apenas um de uma série de possíveis desenvolvimentos. Foi devido ao tipo de impacto que a ficção científica teve nos leitores que a descobriram – na maioria, leitores jovens – que o voo espacial tornou-se seu mito central. Muitos leitores de fc encontraram nela uma espécie de revelação: um choque repentino capaz de abrir a mente. Isso não foi efeito de nenhuma história por si, mas a descoberta da fc como uma categoria, um estilo de ficções apresentando uma infinidade de possibilidades”.

Capa da revista Modern Electrics, de fevereiro de 1912, trazendo a 11ª parte da história Ralph 124C 41+, de Hugo Gernsback.

Um dos primeiros voos de uma nave espacial nessa nova época surgiu exatamente em uma história do próprio Gernsback, Ralph 124C 41+, publicada em 12 partes entre 1911 e 1912. Entre outros aparatos, ele apresenta o “voador espacial” que o herói da história utiliza para resgatar a heroína que foi raptada. E, em que pese a influência que Gernsback teve na ficção científica – algumas pessoas ainda o consideram o “pai” do gênero, ainda que essa pretensão seja bastante discutível – a história em si geralmente é vista como um trabalho de péssima qualidade. Adam Roberts disse que “Essa história longa e repleta de digressões descreve as máquinas incríveis do século XXVII, a maioria delas, como poderíamos esperar do criador de Modern Electrics, sendo elétricas de um modo ou de outro. Trata-se de uma novela bastante canhestra, estruturada de maneira precária, com uma narrativa dificilmente capaz de envolver o leitor, abarrotada de exemplos do que seria mais tarde chamado infodumps (trechos de exposição técnica e científica inseridos no texto, não importando se seriam ou não oportunos)”.

                                                             Capa da edição de 1921, com ilustração sem crédito, mas provavelmente de Oskar Herrfurth (Union).

Nessa época, longe do ambiente pulp dos Estados Unidos, surgia também o livro do alemão Friedrich Wilhelm Mader, Wunderwelten: Wie Lord Flitmore eine seltsame Reise zu den Planeten unternimmt und durch einen Kometen in die Fixsternwelt entführt wird (1911), ou Wunderwelten, para simplificar. Foi publicado em inglês em 1932 com o título Distant Worlds: The Story of a Voyage to the Planets. Peter Nicholls e John Clute dizem que se trata de um livro para jovens, apresentando uma espaçonave em direção a Marte e, depois, para Alpha Centauri, onde exploram um planeta semelhante à Terra. Segundo eles, é um dos primeiros textos de fc a indicar claramente que as viagens mais rápidas do que a luz serão necessárias para as viagens interestelares. “A espaçonave”, dizem, “é descrita como sendo enorme, apesar de que o termo ‘nave-mundo’ aplicada a ela não deve ser levada tão a sério (...). O conteúdo da história é bem avançado para 1911, e ainda que não tenha sido bem escrita, provavelmente estabeleceu Mader como uma figura significante na fc alemã”.

Capa de Charles Schneeman para a primeira edição em livro de The Skylark of Space (1928/ Buffalo Book Company).

Mais ou menos na mesma época, Edward E. “Doc” Smith já estava produzindo sua primeira série, The Skylark of Space, escrita entre 1915 e 1921, quando ele ainda estava estudando, mas publicada em três partes apenas em 1928, em Amazing Stories, já com a revisão feita em colaboração com Lee Hawkins Garby. A primeira parte da história foi publicada na mesma edição que apresentou a história Armageddon – 2149 A.D., de Philip Francis Nowlan, que apresentou o herói Buck Rogers. O título do livro de Smith vem do nome da espaçonave do herói, Dick Seaton, que, como informa Adam Roberts, é “(...) uma esfera de doze metros (mais tarde, de acordo com a estética de escala cada vez mais inflada de Smith, a Skylark é reconstruída como uma esfera cujo diâmetro é de 1.600 quilômetros)”.

                                                                   Capa de Jack Gaughan para o livro The Skylark of Space, de E.E. Smith (1966/ Pyramid Books).
Capa da Astounding Stories, trazendo a primeira parte de The Skylark of Valeron. Ilustração de Howard V. Brown (1934).

John Clute disse que a história efetivamente popularizou o conceito do cientista inventor que também é o herói da ação, e inúmeras histórias seguiram nessa direção. Segundo Clute, antes de 1928 havia inventores que pilotavam suas próprias naves para a Lua ou outros lugares, mas eles eram frequentemente acompanhados por um amigo mais jovem que liderava a ação nas histórias. “O conflito básico animando a série Skylark”, diz Clute, “é relativamente trivial: o herói-inventor Richard Seaton está em uma desavença perpétua, em uma tela cada vez mais ampla, com o inventor-vilão Marc ‘Blackie’ DuQuesne, talvez a mais vívida criação de E.E. Smith, que se desenvolve das cenas histriônicas do primeiro romance ao anti-heroísmo dominante do último. Cada nova parte da sequência é marcada por um aumento na escala da ação, logo interestelar, pela potência dos armamentos, o poder, tamanho e velocidade das espaçonaves. O que não muda, infelizmente, é a amigável idiotice das mulheres, ou a tolice das gírias pelas quais todas as emoções são conduzidas”.
A série teve como sequências The Skylark Three (1930), Skylark of Valeron (1934-1935) e Skylark DuQuesne (1966).

Segundo livro da série Lensman (Capa de A. J. Donnell/ Fantasy Press, 1950).

Smith continuou escrevendo suas histórias e formatando o que seria conhecido como space opera, com a série Lensman (ver mais na matéria Primeiros Poderes), desenvolvida a partir de 1934 e mais bem sucedida do que a anterior, ainda que tenha recebido duras críticas, ate mesmo dos próprios autores de FC, em particular em tempos mais recentes. Na série, Smith continua apresentando eventos grandiosos que envolvem toda a vida e história do universo. Adam Roberts disse: “Com certeza, a primeira coisa que ocorre a um leitor acerca de Smith é seu amor pela grandeza: bilhões de anos e de anos-luz são abrangidos; espaçonaves do tamanho da Lua ou “antiesferas” (esferas de realidade negativa com imensa capacidade destrutiva) do tamanho de planetas acabam envolvidas em enormes batalhas; impérios se chocam entre si; uma miríade de mundos e espécies alienígenas são enfrentados. Isso é denominado com amabilidade por Brian Aldiss como ‘a glamorosa enfermidade do gigantismo’, mas ele acrescenta que há uma qualidade frágil nos cenários gigantescos de Smith: seu ‘estilo vibrante, mas banal [...] não transmite experiência visual e não torna suas imensas distâncias reais’.”

                                                                                   Capa de Lima de Freitas para a edição portuguesa do livro de Edmond Hamilton.

Em The Visual Encyclopedia of Science Fiction diz-se que a influência de Smith no desenvolvimento da space opera, da qual ele é reconhecidamente o progenitor, tendeu a ofuscar as contribuições de outros escritores que também desenvolveram o conceito de viagens interestelares e conflitos cósmicos, enquanto seus colegas estavam confinando suas explorações ao sistema solar. E um desses escritores é Edmond Hamilton, que iniciou sua série Interstellar Patrol em 1928, com Crashing Suns, publicado originalmente em duas partes na revista Weird Tales. E, em 1929, ele publicava Outside the Universe, na mesma revista (em quatro partes); em 1964, foi publicado em livro, também lançado em português pela coleção Argonauta de Portugal (em 1965) com o título Luta Intergaláctica.

A história The Black Star Passes, de John W. Campbell Jr., na Amazing Stories Quarterly (Capa de Leo Morey, outuno de 1930).

John W. Campbell Jr., um dos mais importantes e conhecidos editores da fc, também publicou suas histórias com espaçonaves já em 1930, com The Black Star Passes, na Amazing Stories Quarterly, trazendo as aventuras dos heróis Arcot, Morey e Wade, que teriam sequência em 1931 com Islands of Space (1931) e Invaders From the Infinite (1932), ambas na mesma revista.

A história Islands of Space, de John W. Campbell Jr., na Amazing Stories Quarterly (Capa de Leo Morey, primavera de 1931).

Também em 1932, o já consagrado escritor Edgar Rice Burroughs – que vinha dos sucessos das séries de aventuras em Marte, ou Barsoom, de Tarzan e de Pellucidar – começa a publicar a série de aventuras em Vênus, com o personagem Carson Napier, que utiliza um foguete para realizar sua viagem espacial. Ele pretendia ir para Marte, mas erra nos cálculos, esquece de computar a gravidade da Lua, e o foguete dirige-se a Vênus que, é claro, é um planeta com atmosfera respirável por humanos, e inicia suas aventuras. As histórias começaram a surgir na revista Argosy e, em 1934, foram publicadas em livro.

(Capa: Edd Cartier/ Fantasy Press, 1950).

A série de Jack Williamson iniciada em 1934 com A Legião do Espaço (The Legion of Space. Francisco Alves Editora) também fez muito para popularizar a space opera. Segundo David Pringle, os componentes da chamada “legião do espaço” foram baseados em Os Três Mosqueteiros (Les Trois Mousquetaires, 1844), de Alexandre Dumas, em uma narrativa vigorosa. A história foi publicada originalmente na Astounding Stories, e depois em forma de livro, em 1947. As sequências foram: The Cometeers (1936, também na Astounding Stories, e em livro em 1950); One Against the Legion (1939, na Astounding Science-Fiction, e em livro em 1967). Um quarto livro, The Queen of the Legion, foi publicado em 1983, segundo Pringle, depois que as histórias ganharam nova popularidade nos anos 1970, o que “ (...) estimulou Williamson a escrever ainda outro (redundante) volume na sequência”.
A ação se passa em uma época em que a humanidade já colonizou o sistema solar e a Legião do Espaço é uma força militar que tem como função manter a paz, após um período em que uma dinastia governou a humanidade por muitas gerações. Um dos heróis é John Ulnar, jovem graduado da Legião, que enfrenta uma série de perigos em companhia de seus três companheiros.
Em 1936, John Wyndham publicou Planet Plane, assinando como John Benyon (seu nome completo era John Wyndham Parkes Lucas Beynon Harris), história que posteriormente foi publicada em oito partes na revista The Passing Show com o título Stowaway to Mars.

                                           Capa da Science Wonder Quarterly, ilustrando a história The Shot Into Infinty (Capa: Frank R. Paul).

Brian Stableford disse que duas das espaçonaves mais convincentes das revistas pulp foram as que surgiram nas histórias The Shot Into Infinity, de Otto Willi Gail, e The Voyage of the Asteroid, de Laurence Manning, um dos fundadores da American Interplanetary Society citada no início da matéria. A primeira foi publicada originalmente em 1925, na Alemanha, com o título Der Schuß ins All, e em 1929, na Science Wonder Quarterly. O crítico e estudioso de FC , R.D. Mullen, fundador e editor do Science Fiction Studies com Darko Suvin, disse que, em parte, é uma história de espionagem industrial, “(...) com as invenções de nosso herói-inventor sendo roubadas por um vilão-inventor que tem por trás de si uma grande corporação, e com uma mulher misteriosa que parece ser uma vilã, mas acaba sendo a heroína. Mas também é uma história justamente famosa pelos detalhes realistas com os quais descreve a construção de um foguete espacial, seu lançamento ao espaço, e as experiências de sua tripulação durante o voo entre a Terra e a Lua”.
The Voyage of the Asteroid foi publicado na Wonder Stories Quarterly, em 1932 e narra as dificuldades de uma viagem a Vênus, com a vantagem, segundo os críticos, de ter sido escrita em termos mais realistas do que a maioria das histórias do período.

(Capa: Howard V. Brown).

O conto de Murray Leinster, Proxima Centauri (1935), foi publicado em Astounding Stories, e apresenta a espaçonave Adastra, que realiza uma viagem de sete anos em direção a Proxima Centauri, ou Alpha Centauri C, a velocidade próxima à da luz devido à aceleração constante. Durante o trajeto, um motim divide a tripulação, e mais problemas surgem quando eles chegam ao seu destino e descobrem que o sistema é habitado por seres vegetais que se alimentam de carne. Os eventos seguintes lembram bastante os enredos das space operas. Os humanos são quase destruídos, mas um dos sobreviventes programa a nave Adastra para explodir, provocando uma reação em cadeia que irá destruir o planeta natal dos centaurianos, abrindo caminho para a segunda nave terrestre que vai chegar ao sistema.

No entanto, Brian Stableford ressalta que essas histórias foram ofuscadas pelas space operas extravagantes que tinham sucesso apresentando máquinas fantásticas com capacidades ilimitadas, lutando guerras interestelares com todo tipo de armas exóticas, como as histórias de E.E. “Doc” Smith. “Muitos escritores de fc pulp”, disse Stableford, “ainda viam as espaçonaves como simples aparelhos facilitadores”.