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COLOCANDO A LEITURA EM DIA: O REI DE AMARELO

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data08/04/2020
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O livro de Robert W. Chambers está entre os mais influentes da literatura de terror.

Eu já tinha ouvido falar do livro O Rei de Amarelo. Até já tinha lido a respeito do livro, mas foi no ensaio de H.P. Lovecraft, O Horror Sobrenatural na Literatura, que foi publicado no Brasil em 1987; ou seja, já tinha me esquecido completamente de sua existência. Essa edição da Intrínseca foi publicada no Brasil em abril de 2014 e eu deixei passar; então, é um caso extremo de “colocar a leitura em dia”. E ainda bem que o fiz.
O livro é uma reunião de contos conectados de uma forma complexa, às vezes sutil, às vezes mais explícita, e sempre com referência ao “Rei de Amarelo”, uma peça teatral inventada por Chambers, e que tem o poder de levar aqueles que a leem à loucura. É uma antecipação dos “livros malditos” que Lovecraft e outros autores iriam desenvolver mais à frente, em particular o Necronomicon.
Das histórias do livro, as que compõem a primeira parte situam-se no terreno do fantástico, e as últimas situam-se no mundo real, mais exatamente na Paris do final do século 19. Da peça em si Chambers só publica pequenos trechos, como o que abre o conto A Máscara, ou os trechos que surgem quando personagens comentam ou leem passagens de O Rei de Amarelo, situação que, ao longo dos anos, atiçou a imaginação de vários escritores que tentaram criar a peça de fato.
As histórias podem ser encaradas de várias formas, até mesmo como uma mistura de ficção científica com terror, como no caso do primeiro conto, O Reparador de Reputações, cuja história situa-se em 1920, portanto, no futuro, uma vez que o livro foi escrito em 1895 e, assim, “flerta com a ficção científica”, como é dito em uma das inúmeras notas de rodapé que acompanham a edição.
A Introdução de Carlos Orsi é excelente, assim como as citadas notas de rodapé, não apenas fornecendo mais informações sobre a obra e as condições em que ela foi elaborada, mas acrescentando elementos que permitem ao leitor embrenhar-se ainda mais na intrincada rede de conexões entre as histórias e as personagens.
O conto que abre o livro pode até ser visto como a apresentação de uma distopia, enquanto outros situam-se em um ambiente que tanto pode ser descrito como um mundo paralelo como de sonho.

O jornalista e escritor Carlos Orsi, grande conhecedor de literatura fantástica, e em particular da ficção científica, ressaltou a marca que O Rei de Amarelo deixou nas gerações posteriores de escritores de ficção científica e terror, lembrando que a obra é mais citada ao ser relacionada à Mitologia de Cthulhu, ligada à obra de H.P. Lovecraft e outros autores. Mas ele lembra que “A influência de Chambers sobre a Mitologia de Cthulhu, no entanto, costuma ser gravemente superestimada: a correspondência de Lovecraft indica que ele só teve contato com O Rei de Amarelo em 1927, quando seu estilo e temas já estavam bem definidos”. E até a possível influência na criação do Necronomicon, o mais famoso livro maldito da literatura de terror, já tinha sido criado antes de Lovecraft conhecer O Rei de Amarelo.
Ao comentar sobre o livro no ensaio citado acima, Lovecraft diz que O Rei de Amarelo “(...) realmente atinge níveis notáveis de pavor cósmico”, e isso apesar de mostrar um interesse banal e afetado pela “atmosfera de ateliê de artista francês”. Para Lovecraft, a história mais forte é O Emblema Amarelo.
O escritor e crítico S.T. Joshi, um especialista em literatura fantástica, e em particular em Lovecraft, ressalta a influência de Ambrose Bierce na obra, ainda que considere a possibilidade de que essa influência tenha se restringido à utilização de alguns nomes citados por Bierce – também conhecido por suas histórias de terror – como Hastur e Carcossa. Escrevendo sobre o livro, e mais especificamente sobre a peça imaginada por Chambers, em seu Unutterable Horror: A History of Supernatural Fiction, Joshi diz que “É óbvio que Chambers pretendia deixar essas citações vagas e sem explicação; ele somente desejava fornecer dicas indistintas sobre os possíveis mundos de horror e assombro para os quais seu livro mítico era um guia”.
Independentemente de que forma o livro seja abordado, os contos que formam a estrutura fantástica e de terror de O Rei de Amarelo são sensacionais e, certamente, vão agradar a todos os que se interessam pelo gênero.

 

O REI DE AMARELO (THE KING IN YELLOW, 1895)
Robert W. Chambers
380 páginas
Editora Intrínseca