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CAPETAS EM FORMA DE GURIS

FILMES/Matérias

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data05/04/2016
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Os filmes Os Meninos e A Inocente Face do Terror podem ser encontrados no box da Versátil, “Obras-Primas do Terror 3”, e valem a pena ser vistas.

Em alguma matéria publicada neste site, não lembro qual ou quando, eu disse que minha memória já não era lá essas coisas. Pois bem! Vou ter que repetir, porque não me lembro exatamente em qual cinema de São Paulo eu assisti ao filme Os Meninos (Quien Puede Matar a un Niño?, 1975), lá pelos anos 1970 ou início dos 1980 (também não lembro a data). Pode ter sido no maluquíssimo Cine Marachá, que ficava na Rua Augusta, lá em baixo, na direção do centro. O Marachá tinha as famosas sessões malditas, nos sábados à meia-noite. Os filmes geralmente não eram exatamente novos, mas a participação ativa da plateia era muito engraçada. Pode ter sido num dos pulguentos e apertadíssimos cines Bijou (eram duas salas), na Praça Roosevelt, que em algum momento também tinham sessões malditas, e até mesmo sessões contínuas a partir das 22 horas do sábado até as 6 do domingo, com filmes diferentes. Eu me lembro (arrá!) que foi lá que lá eu vi o famoso Teorema, de Pasolini, que achei um porre, mas tudo bem. Os Meninos também posso ter visto alguns anos mais tarde, no Cine Bexiga, que ficava na Rua 13 de Maio.

O que eu lembro é que saí do cinema bem impressionado (quem estava comigo, quem, quem?) com o trabalho do diretor Narciso Ibañez Serrador e com a história aterrorizante envolvendo crianças, que deveriam ser tão puras e inocentes, mas não eram.

As adoráveis crianças de Os Meninos (Penta Films).

Já com A Inocente Face do Terror (The Other, 1972) eu tenho certeza (quase absoluta): vi na televisão. E também fiquei muito impressionado com os inocentes guris do filme e a excelente história do ex-ator Tom Tryon (aquele de Casei-me com um Monstro, 1958), adaptada para o filme dirigido por Robert Mulligan com roteiro dele mesmo, a partir de seu livro Os Gêmeos (The Other, 1971), publicado no Brasil em 1972 pela Artenova. Não lembro (ah, meu Deus!) se vi o filme antes de ler o livro, mas os dois são ótimos. Pelas anotações que fiz na época em que li Os Gêmeos, e nas quais devo acreditar (ainda que o antigo "eu" nem sempre fosse tão confiável assim), o filme é ainda mais denso e aterrorizante do que o livro. As “revelações” do livro ocorrem já no final, enquanto no filme elas são apresentadas no meio dos eventos, sem atrapalhar em absolutamente o clima de terror e estranhamento.

Chris e Martin Udvarnoky, como os gêmeos de A Inocente Face do Terror (Benchmark/ Rem/ Twentieth Century Fox Film Corporation).

A história se passa numa fazenda, no verão de 1935, onde moram os irmãos gêmeos Niles e Holland (interpretados pelos gêmeos Chris e Martin Udvarnoky). Um é tido como um anjo na Terra; o outro, digamos que nem tanto. Eles são instruídos pela avó russa, Ada (Uta Hagen), a utilizar técnicas de projeção mental que lhes permitem entrar na mente de animais e pessoas, sabendo o que eles sentem e veem. A mãe, Alexandra (Diane Muldaur), vive constantemente em seu quarto, abalada pela morte do marido.

A narração centra-se em Niles, sempre referindo-se ao irmão Holland e às coisas más que ele faz. Mulligan disse que queria colocar o público no corpo de Niles, fazendo dele o centro da narrativa e transformando-a numa experiência totalmente subjetiva.

Uta Hagen como a avó russa, ensinando Niles a entrar na mente dos seres.

Robert Muligan já era um diretor consagrado na época, em particular por seus excelentes O Sol é para todos (To Kill a Mockingbird, 1962) e Houve uma vez um verão (Summer of ’42, 1971), mas chegou a ser criticado por alguns especialistas e até mesmo por Tom Tryon. O filme não chegou a ser um grande sucesso de bilheteria, mas também não foi um fracasso. Pelo que se diz, depois que passou a ser exibido na televisão, começou a receber novas e melhores críticas. Ainda assim, Mulligan ganhou o prêmio de melhor diretor no Festival de Cinema Fantástico de Sitges, na Espanha.

Seja como for, tornou-se, senão um clássico, um dos filmes mais comentados do gênero.

 

 

Os Meninos dificilmente se encaixa na definição “obra-prima”, mas certamente chama a atenção de quem gosta do cinema do gênero. O diretor, Narciso Ibáñez Serrador, é um uruguaio radicado na Espanha desde o final dos anos 1940, e ficou mais conhecido localmente, em particular por seus trabalhos para a televisão.

O filme foi baseado no conto El Juego de los Niños, do escritor espanhol Juan José Plans. No entanto, o crítico e pesquisador Phil Hardy disse, em The Aurum Film Encyclopedia: Horror (1985), que a história básica foi baseada em Os Pássaros (The Birds, 1963), de Alfred Hitchcock, substituindo os pássaros por crianças. Pode ser, mas ainda assim funciona.

Um casal de turistas ingleses chega a uma ilha isolada e logo descobre que não existem adultos no local; não mais. E as crianças parecem brincar de esconder com eles. Claro que eles vão descobrir que as crianças inocentes não são nada inocentes.

O casal inglês (interpretado por Lewis Fiander e Prunella Ransome) começa a perceber o tipo de complicação em que se meteu, em Os Meninos.

Em algumas cópias do filme, as imagens iniciais mostram crianças vítimas das guerras ou outras catástrofes criadas por adultos, o que é o caso desta versão apresentada pela Versátil. Phil Hardy, no comentário já citado, apresenta alguns pontos desfavoráveis no filme, como o fato de ligar a ação das crianças aos problemas causados pelos adultos, ao mesmo tempo em que apresenta visões conservadoras e moralistas ao longo da história. Mais uma vez, pode ser. Mas isso não elimina os momentos de puro terror, construídos com eficácia pelo diretor.

E pode-se dizer que o final é inesperado, ainda que também possa ser relacionado ao final do fabuloso Os Pássaros.

Os Meninos ainda traz trilha sonora do compositor argentino Waldo de los Ríos (1934-1977), que trabalhou bastante com cinema, mas ficou mais conhecido pelas adaptações pop de músicas clássicas.