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COLOCANDO A LEITURA EM DIA: BIRD BOX – CAIXA DE PÁSSAROS

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data05/11/2019
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Livro de estreia de Josh Malerman mostra a destruição da sociedade por uma ameaça desconhecida.

Esse realmente demorou para eu ler. O livro foi lançado no Brasil em 2015. Alguns anos depois, saiu o filme. Não li nem vi na época, e só agora cheguei a ele, no momento de “fúria de leitura” em que me encontro desde que comprei o Kindle.
Li alguns comentários na internet, mais sobre o filme – geralmente com comentários negativos – do que sobre o livro, alguns não muito positivos, outros um pouco mais. Seja como for, trata-se do livro de estreia de Josh Malerman, e o clima é definitivamente arrepiante.
Para quem ainda não conhece, eventos não explicados começam a ocorrer em várias partes do planeta – aparentemente, primeiro na Rússia, depois espalhando-se rapidamente para os EUA e o resto do mundo. Pessoas enlouquecem e cometem atos de barbárie, ou contra outras pessoas ou contra si mesmas. E o que de início é tratado nas redes sociais e na mídia em geral como uma piada, rapidamente assume proporções apocalípticas. E o pior, parece que a loucura chega às pessoas porque elas simplesmente viram alguma coisa, algo ou alguém, que está no ar.
A narrativa é centrada na personagem Malorie que, depois que sua irmã se suicida após ter visto o que quer que fosse, resolve seguir uma indicação de um local, uma casa, onde algumas pessoas se refugiam. Na verdade, é um momento terrível para Malorie que, pouco antes, ficou sabendo que estava grávida de um sujeito que ela jamais veria novamente.
Boa parte da ação se passa dentro da casa na qual ela se refugia, seguindo a luta pela sobrevivência das pessoas que lá se encontram, obrigadas a usar vendas nos olhos cada vez que precisam dar alguns passos fora da casa, para que não vejam o terror que enlouquece os humanos e, talvez, também os animais.
É nesse local que Malorie tem seu filho, ao mesmo tempo que outra mulher grávida que foi acolhida posteriormente pelo grupo; crianças que nascem no pior momento possível, não só pelo que acontece lá fora, no mundo, mas pelos problemas que enfrentam dentro da casa.
Li algumas críticas levantando inconsistências na história ou considerando que Malerman poderia ter desenvolvido melhor algumas personagens. Também li comparações com o estilo de Stephen King e, claro, se King fosse escrever uma história como essa, dificilmente ela teria apenas 320 páginas. A semelhança, possivelmente, está na forma como o centro da narrativa é a luta de Malorie para manter a família, seu menino e a menina que nasceu ao mesmo tempo, fazendo tudo o que for necessário para manter sua segurança. Stephen King frequentemente utiliza a estrutura familiar como ponto de sustentação de um ou mais personagens, e frequentemente estabelece fortes vínculos entre eles para, em seguida, apresentar uma desestruturação completa desse vínculo. Não é o caso aqui, uma vez que a “família” de Malorie já surge em um ambiente caótico, e sua busca é por um “lugar” em que ela e as crianças possam ter um mínimo de paz, de vida em sociedade.
Um dos pontos que impressiona é a rapidez com que a sociedade mundial é completamente destruída; apesar desse aspecto ter propiciado alguns comentários negativos, parece que Malerman quis apenas mostrar a fragilidade de nossas instituições, como uma catástrofe mundial que poderia ter sido evitada com alguma facilidade foi tratada como uma piada, deixando que a loucura invadisse o planeta; como algo que tomamos como invariável, concreto e para sempre, pode ser subitamente estraçalhado sem que sequer saibamos o que realmente está acontecendo.
E não sabemos. A não ser pelas teorias levantadas por alguns personagens, não se tem a menor ideia da razão pela qual as pessoas enlouquecem. Certamente elas veem alguma coisa; provavelmente veem alguma criatura cuja simples existência é tão incompreensível para o cérebro humano, que as pessoas enlouquecem.
Isso me lembrou dos seres descritos por H.P. Lovecraft, capazes de levar uma pessoa à loucura simplesmente por existirem e se apresentarem à humanidade; ou mesmo com o famoso livro Necronomicon, cuja leitura levava uma pessoa irremediavelmente à loucura. Lovecraft, no entanto, fez questão de, sempre que possível e necessário, descrever os seres malditos, em seu estilo maravilhosamente adjetivado e exagerado. Já em Bird Box, são raros os momentos em que as criaturas – se é que são criaturas – aproximam-se dos personagens, e não ficamos sabendo o que são, como fazem o que fazem, ou mesmo se têm a intenção de nos enlouquecer ou se tudo não passa de um engano terrível.
Certamente não será um clássico da ficção científica ou do terror, mas é um livro muito interessante e, quase sempre, apavorante.


Bird Box – Caixa de Pássaros (Bird Box, 2014)
Josh Malerman
320 páginas
Editora Intrínseca