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O IMITADOR DE HOMENS

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data01/09/2020
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O livro de Walter Tevis é uma das melhores histórias sobre androides da ficção científica.

Walter Tevis certamente é mais conhecido dos leitores de ficção científica como o autor do sensacional O Homem Que Caiu na Terra. Mas O Imitador de Homens (Mockingbird, 1980) não fica atrás. Assim como em seu livro mais famoso, aqui Tevis também aborda a questão da solidão, do distanciamento, compondo ao mesmo tempo imagens assustadoras de um futuro possível, porém com toques de um humor refinado e ácido, às vezes surgindo de situações e momentos inesperados.
No momento futuro em que a história se desenrola a humanidade regrediu de tal forma que praticamente só existem seres humanos idiotas, incapazes de ler ou aprender, assim como executar quaisquer funções mais complicadas, seja no governo, na instrução, medicina, justiça ou quaisquer outras.
Também é uma das excelentes histórias do gênero sobre androides, ou melhor, um androide, Spofforth, o centro da narrativa. E estamos bem longe do território das Três Leis da Robótica imaginadas por Isaac Asimov, uma vez que esse androide foi criado com todas as características humanas, inclusive a capacidade de fazer mal aos próprios humanos. Com uma característica que o difere dos humanos e que, por fim, é o que motiva grande parte de suas ações: ele não é capaz de tirar a própria vida. Foi uma modificação feita em seu cérebro para evitar o problema que afetou os androides construídos anteriormente, e que haviam se suicidado.
Spofforth também teve seu corpo cultivado num reservatório e mantém para sempre a aparência de um homem de 30 anos, capaz de regenerar partes do corpo danificadas. E, talvez ainda pior, ele foi dotado com uma memória incrível, de modo que se lembra de absolutamente tudo. Assim, é assombrado constantemente pela imagem e memória de uma jovem que conhecera em seus primeiros tempos de aprendizado, e a quem amara. Ela já envelheceu e morreu, mas ele não é capaz de esquecer. Ele só não consegue lembrar-se dos fragmentos de memória do engenheiro cujo cérebro lhe serviu de modelo. Assim, Spofforth vive uma situação insuportável; não é humano, mas traz todas suas características; não pode se esquecer do que deseja esquecer, e não pode lembrar do que deseja lembrar. Não pode acabar com sua existência, algo que qualquer humano pode fazer a qualquer momento, e a tendência é odiá-los por ter sido criado assim.
É uma história tensa, saborosa, crítica e melancólica, que merecia mesmo uma edição brasileira. O livro já tinha sido publicado em Portugal em 1987 com o título Ave-do-Arremedo. [Mais sobre o livro e outros do gênero na matéria Quase Humanos]


O IMITADOR DE HOMENS (Mockingbird, 1980)
Walter Tevis
Editora Rádio Londres (2020)
288 páginas