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PRIMEIRAS HISTÓRIAS

ESPECIAIS/VE ZUMBIS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data01/09/2023
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Ainda antes de chegarem às telas de cinema, os zumbis já eram citados em contos e livros que abriram caminho para o desenvolvimento do gênero.

Weird Tales (G. Roller, 1942).
(Legare Street Press, 2023).

Como dissemos anteriormente, o livro de Seabrook, de 1929, foi o que despertou a atenção do grande público para o tema dos zumbis, além de ter influenciado o nascimento do subgênero no cinema, em particular após 1932.
Porém, existem referências aos zumbis anteriores. Em seu trabalho Zombies in Print (Oxford University Press, 2022), as acadêmicas Sarah Juliet Lauro (University of Tampa) e Christina Connor (Hillsborough Community College) citam os livros Le Zombi du Grand Pérou, ou La Comtesse de Cocagne (1697), de Pierre-Corneille de Blessebois (1646-1700), e Isalina, ou une scène créole (1836), de Ignace Nau (1808-1845).
O primeiro é, segundo as autoras, a mais antiga aparição do termo “zumbi” na literatura, um “roman à clef”, expressão que designa uma obra na qual eventos reais são apresentados como ficção, e é uma sátira às autoridades coloniais de Guadalupe, no Caribe. A história apresenta uma condessa creole (a denominação para uma pessoa da raça branca nascida nas colônias, no caso de Guadalupe, colônia francesa). Rejeitada pela pessoa que amava, ela procura a ajuda de um feiticeiro charlatão, e os zumbis da história são apresentados como espíritos invisíveis capazes de morder e puxar os cabelos das vítimas que, assim, precisam manter seus olhos fechados, caso contrário os zumbis podem provocar ainda mais danos.
As autoras dizem que a obra é importante por duas razões: “É o primeiro exemplo no qual os zumbis são mencionados na ficção escrita, em qualquer idioma. E o zumbi de Blessebois também é representativo do outro aspecto do zumbi, menos frequentemente comum: o zumbi astral, desligado do corpo. Esse conceito tem sido negligenciado na cultura popular dos EUA, porém é um elemento importante da mitologia caribenha da qual vêm os mortos-vivos do Haiti. Esse trabalho antigo também é importante como uma consideração temática sobre a forma pela qual o zumbi fornece informações sobre as tensões a respeito de escravidão e colonialismo”.
Isalina, do escritor haitiano Ignace Nau, é, segundo as autoras, o primeiro em uma longa tradição na literatura haitiana, de histórias de zumbis com interesse amoroso feminino. Elas dizem que não fica muito claro se a mulher da história é uma zumbi, segundo o entendimento atual da palavra, trazida dos mortos, ou apenas colocada sob algum tipo de encantamento por seu pretendente. Elas dizem que a história, situada próxima a uma usina de cana, “(...) representa uma virada importante na mitologia, passando de representar a escravidão para representar o controle capitalista neocolonial das pessoas, no centro das forças históricas que trouxeram o zumbi para um público maior durante a ocupação americana do Haiti. Esse é o primeiro passo na transformação crucial dos zumbis”.

Mil Mortes (Penalux, 2019). Black Cat (Capa de Nelly Littlehale Umbstaetter/ The Shortstory Publishing Co., 1899).

Outras histórias são apontadas por alguns pesquisadores como estando entre as antecessoras do gênero, ainda que nem sempre utilizando o termo zumbi. É o caso de Mil Mortes (A Thousand Deaths, 1899), o primeiro conto publicado de Jack London, que iria se tornar um dos escritores mais famosos de todos os tempos. A história foi publicada originalmente na revista Black Cat, e apresenta um cientista louco que utiliza seus conhecimentos para realizar experiências com um homem, fazendo com que ele morra e renasça inúmeras vezes. De certa forma, antecede uma série de histórias com cientistas alucinados que encheram as telas dos cinemas no século 20, e também antecede outro clássico do gênero, Herbert West: Reanimator (1921), de H.P. Lovecraft, publicado originalmente na revista Home Brew e que, segundo informa John Clute, foi sua primeira publicação profissional.

(Principis/ 2022). Ilustração da publicação n a revista Weird Tales (G. Roller, 1942).

Também é uma história de cientista que realiza experiências para vencer a morte, entendendo que, como o corpo humano é uma máquina, deve ser possível fazer com que ele volte a funcionar após a morte. Ele realiza experiências ao longo dos anos, sempre em companhia do narrador da história, obtendo sucesso e criando zumbis, mas com um desfecho terrível.
As duas histórias foram adaptadas para o cinema; a de Jack London para o filme Torture Ship (1939), considerado muito ruim, e dirigido por Victor Halperin, o mesmo de Zombie, a Legião dos Mortos (1932), que inaugurou o ciclo de zumbis no cinema; a história de Lovecraft teve uma adaptação mais atraente com Re-Animator: A Hora dos Mortos Vivos (Re-Animator, 1985), que certamente teve sua importância na história dos filmes do gênero.

Julie Bishop, Russell Hopton, Julian Madison, Irving Pichel e Lyle Talbot, em Torture Ship (Sigmund Neufeld Productions).

Em 1931, Garnett Weston utilizou o pseudônimo G.W. Hutter para publicar o conto Salt Is Not for Slaves, na revista Ghost Stories. Weston foi o roteirista do filme Zombie, a Legião dos Mortos, e a história procura estabelecer uma relação entre os zumbis e a Revolução Haitiana, ocorrida entre 1791 e 1804, e liderada por escravos contra o domínio colonial francês. Apresenta escravos-zumbi que não sabem que são zumbis, até que experimentem sal, após o que retornam para suas covas. Ao contrário de outros zumbis posteriores, esses não ameaçavam ninguém.
Em 1932, August Derleth publicou The House in the Magnolias, na revista Strange Tales of Mystery and Terror. Escritor e editor conhecido no gênero, Derleth teve grande ligação com a obra de Lovecraft e, aqui, transferiu para os zumbis do Haiti para os Estados Unidos. O narrador é um artista que um dia encontra o cenário ideal para pintar, uma casa cercada por magnólias, de propriedade de uma mulher chamada Rosamunda Marsina, que concorda que ele permaneça no local por uma semana para pintar sua tela. No local também se encontra a Tia Abby, jamais vista, e que é uma mestra dos zumbis. Eventualmente, o pintor e Rosamunda, que se torna sua amante, são ameaçados pelos mortos-vivos.

(Philip Allan/ 1933).

Em 1933, Vivian Meik publicou a coletânea Devils’ Drums, que traz o conto White Zombie, cujo título foi inspirado pelo filme de Victor Halperin. A história situa-se na África e envolve um europeu atuando como comissário em um distrito africano, e que pode estar sendo assombrado pelo corpo de um homem que já morreu. As informações sobre o conto são confusas, mas algumas resenhas dizem que a história, ainda que situada na África, tem conexão com o Haiti e envolve uma mulher branca que é uma espécie de mestre dos zumbis que, com eles, ameaça outros brancos que moram no local.
O conto American Zombie (1936), de Dr. Gordon Leigh Burley, é uma história contada a um jornalista pelo francês M. Champney, que viajou pelos Estados Unidos e que diz ter sido convidado a uma reunião de uma sociedade secreta em Nova York, onde viu com seus próprios olhos um zumbi, na verdade uma mulher branca, mantida presa em um quarto de um prédio, e que foi transformada em zumbi por um mestre negro.
 

                                                        Ilustração de Virgil Finlay para Pigeons From Hell, na revista Weird Tales (1938).

Pigeons From Hell, de Robert E. Howard, foi chamada por Stephen King de uma das histórias de terror mais refinadas do século 20, escrita em 1934, mas publicada postumamente na revista Weird Tales em 1938. Howard, que morreu em 1936, ficou mais conhecido por seu personagem Conan e por histórias baseadas nos mitos de Cthulhu, de Lovecraft, e escreveu muitas histórias de terror bem consideradas no gênero.
A narrativa segue a aventura dos viajantes John Branner e Griswell, que passam a noite em uma mansão sulista deserta, onde Griswell tem um sonho estranho, acordando para encontrar Branner subindo as escadas em uma espécie de transe, como um cadáver com vida, segurando um machado ensanguentado que rachou seu crânio, o que faz com que Griswell fuja do local.
O evento estranho é investigado pelo xerife local, que sabe que a casa tem uma reputação sinistra, tendo sido a residência da família Blassenville, originária do Caribe e famosa por sua crueldade, em particular a mulher conhecida como Celia, e que desapareceu do local. Investigando o caso, o xerife e Griswell visitam um ancião com conhecimento de vodu que lhes conta sobre a criação dos “zuvembies”, termo introduzido por Howard e que se refere à criação de zumbis fêmeas, que não têm outro objetivo senão matar pessoas e que possuem alguns poderes hipnóticos.

Adaptação do conto para a TV (Hubbell Robinson Productions/ NBC).

Don D’Ammassa (em Encyclopedia of Fantasy and Horror Fiction) lembra que a história combina vodu, uma casa assombrada e aventura em doses equilibradas, com o bem triunfando sobre o mal, uma vez que o mal raramente triunfa na ficção de Howard. Os pombos (pigeons) do título “(...) são simbólicos das almas amaldiçoadas da família Blassenville, e são mencionados apenas de forma periférica na história, sugerindo que Howard os adicionou simplesmente para justificar o uso de um título que ele gostou”. Algumas fontes dizem que o título veio de uma imagem das histórias de fantasmas que a avó de Howard contava.
No entanto, nem todos os críticos receberam tão bem a história. S.T. Joshi (em Unutterable Horror: A History of Supernatural Fiction) disse que se acredita que esse é o melhor conto de horror sobrenatural de Howard, mas ele é “(...) muito menos imaginativamente evocativo e efetivamente escrito do que os melhores contos de Lovecraft”, entendendo que a história não é totalmente ineficaz em retratar a sociedade sulista pós-escravidão, mas como um conto de terror ela falha em entregar uma energia efetiva.
A história teve uma adaptação para a TV em 1961, na antiga série Impacto (Thriller, 1960-1962), apresentada por Boris Karloff, com direção de John Newland.

                       Ilustração de Virgil Finlay para o conto While Zombies Walked, na revista Weird Tales (1939).

O conto While Zombies Walked, de Thorp McCluskey, foi publicado na revista Weird Tales, em 1939, e oferece uma nova visão dos zumbis e do “mestre dos zumbis”, apresentando-os como brancos do sul dos Estados Unidos. A história segue um padrão de várias outras narrativas de terror, quando um homem em Nova York recebe uma carta misteriosa de sua namorada que viajou até a plantação do tio-avô no sul do país. A carta lhe dizia para não mais entrar em contato com ela, o que, evidentemente, ele não faz, viajando para o local. Lá, encontra uma série de trabalhadores nos campos de algodão, agindo como mortos-vivos, além da presença ameaçadora de um religioso que aprendeu os segredos da criação de zumbis com um feiticeiro vodu negro.
Em 1942, Inez Wallace publicou seu conto I Walked With a Zombie, na revista The American Weekly, título que inspirou, pelo menos em parte, o filme A Morta-Viva (I Walked With a Zombie, 1943), dirigido por Jacques Tourneur e um dos mais importantes do gênero em seus primórdios. Conta a história de um homem branco que chegou ao Haiti e se apaixonou por uma jovem nativa, mas a deixou para se casar com uma jovem branca que, logo após o casamento, ficou doente de forma misteriosa e morreu. Após ter sido enterrada, sua cova foi encontrada aberta. Outras aparições de zumbis também se encontram na história, como a de escravos zumbis dominados por um homem e que se revoltam contra ele, e a história de uma mulher negra de Porto Príncipe que mantém escravos zumbi que dançam para ela.