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A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E A BOMBA ATÔMICA

ESPECIAIS/VE AS GUERRAS NA FC

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data03/10/2022
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As guerras reais em nosso mundo tiverem muita influência na forma como os escritores trataram o tema na ficção científica.
Ilustração de Malcolm Smith para a capa da revista Imagination (1956), referente ao conto Battle for the Stars, de Edmond Hamilton (com o pseudônimo Alexander Blade), um dos exemplos de space-opera.

As histórias de guerras futuras mudaram bastante após a Segunda Guerra Mundial e, principalmente, após o desenvolvimento das armas atômicas e nucleares. Segundo Brian Stableford, a situação anterior mudou dramaticamente com o advento da bomba atômica, “(...) que criou um alarmismo todo próprio e inspirou um novo subgênero de histórias referentes ao holocausto”.
Ele ainda diz que as guerras em outros mundos travadas em muitos dos romances interplanetários pulp da escola de Edgar Rice Burroughs ocorriam principalmente com espadas. “No entanto”, ele prossegue, “as revistas pulp especialistas em ficção científica adotaram um ponto de vista mais conscientemente futurístico, segundo o qual guerras interplanetárias eram disputadas por frotas de espaçonaves armadas com armas de raios maravilhosas e afins”.
Grande parte dessas guerras espaciais, que começaram antes da Segunda Guerra Mundial, surgiram nas histórias de space-opera que, como diz Stableford, “(...) tiveram sucesso em guerras entre raças, mundos e impérios galácticos. Onde quer que seus heróis fossem, eles encontravam conflitos cósmicos em andamento, e eles nunca sentiam-se inibidos em juntarem-se a eles. Tal era a percepção moral dos fantasistas pulp que esses heróis raramente tinham a mais leve dificuldade em selecionar o lado “certo”: era o belo e honrado contra o feio e traidor”.
[Para as histórias da space-opera, ver as matérias O Nascimento dos Impérios e das Federações e Foguetes, Espaçonaves e Muito Mais]

                                     Ilustração de Frank Kramer para o conto Solution Unsatisfactory, de Robert A. Heinlein (1941).

Em The Visual Encyclopedia of Science Fiction, os autores dizem que “Após a queda da bomba atômica no Japão e os subsequentes testes dos EUA no Atol de Bikini, muitos escritores produziram histórias expressando seus medos com relação ao futuro. John Campbell, editor da Astounding, cujos colaboradores tinham antecipado o advento da energia atômica anos antes, agora encorajava seus autores a desenvolver suas implicações. (...) Eventualmente, a Astounding ficou lotada de histórias do gênero, e eles foram para outras publicações, de forma que o tema se tornou o padrão”.
Uma das primeiras histórias pré-Hiroshima a lidar com o tema foi o conto Solution Unsatisfactory, de Robert A. Heinlein, publicado na revista Astounding Science Fiction em 1941, com o pseudônimo Anson MacDonald. A história tem algumas semelhanças com o desenvolvimento real da bomba atômica, com os EUA realizando um projeto secreto para desenvolver uma arma nuclear antes dos nazistas, imaginando que a guerra continuava indefinida em 1944, com ingleses e alemães bombardeando as cidades uns dos outros. Eles acabam desenvolvendo uma “poeira radioativa” que, como os EUA não estão envolvidos na guerra, eles dão para os ingleses utilizarem. Eles jogam a arma sobre Berlim e toda a população é morta. O conto também introduz os conceitos de uma corrida nuclear, destruição mútua assegurada e capacidade de retaliação com um segundo ataque.

Ilustração de Williams para o conto Memorial (1946), de Theodore Sturgeon.

The Visual Encyclopedia cita o conto Memorial (1946), de Theodore Sturgeon, como uma das primeiras histórias sobre a bomba a surgir após a Segunda Guerra Mundial. Foi publicada na revista Astounding Science Fiction, e apresenta um cientista que tem a ideia de utilizar uma bomba atômica para criar um imenso poço radioativo como uma lembrança constante dos horrores da guerra nuclear. “Sturgeon segue a linha”, diz o texto, “de que algo drástico deve acontecer se a estupidez humana puder ser curada em algum momento. Ele salienta que se supunha que a invenção da pólvora iria por um fim à guerra, mas não o fez. Da mesma forma com o submarino, o torpedo, o aeroplano e a própria bomba atômica”.

Ilustração de Leo Morey para o conto World Gone Mad, de Nat Schachner (1935).

A publicação confirma o que disse Brian Stableford a respeito das histórias contra a guerra que foram publicadas no período. “Histórias antiguerra como a de Miles J. Breuer, The Gostak and the Doshes (março de 1930, na Amazing Stories) e a de Nat Schachner, World Gone Mad (outubro de 1935, também na Amazing), eram minoria até que a deflagração da guerra na Europa em 1939 encorajou uma nova seriedade, que se mostrava mais conscientemente na revista Astounding Science Fiction, de John W. Campbell (...). Depois da Segunda Guerra Mundial, histórias antiguerra surgiram com mais frequência nas revistas de fc”, ainda que muitas vezes essas histórias lidassem mais com guerras envolvendo extraterrestres, em particular as histórias de A.E. Van Vogt.

Ilustração de Lester Elliot, para o conto Thunder and Roses, de Theodore Sturgeon (1947).

Theodore Sturgeon também produziu outro conto considerado importante no período, Thunder and Roses, publicado na revista Astounding Science Fiction (1947), no qual os Estados Unidos são arruinados por um ataque nuclear, e um homem consegue evitar o disparo dos mísseis de retaliação, dessa forma permitindo que as gerações futuras tenham uma chance de reconstruir a civilização.

Ilustração de Lloyd Birmingham para o conto Mercenary, de Mack Reynolds (1962).

Stableford diz que ainda surgiram algumas abordagens mais irônicas, com histórias nas quais a guerra tornou-se institucionalizada como um esporte. Dois exemplos disso são os contos Gunner Cade (1952), de Cyril Judd (pseudônimo de C.M. Kornbluth e Judit Merril), publicado na Astounding Science Fiction, e Mercenary From Tomorrow (1962), de Mack Reynolds, publicado originalmente com o título Mercenary, na revista Analog Science Fact-Science Fiction. Segundo Stableford, o conceito de Reynolds começou a ser composto com o conto Day After Tomorrow (1961, Analog, com o título Status Quo), mas foi mais elaborado com o conto seguinte, que se tornou o primeiro da série com o personagem Joe Mauser, situada em um mundo futuro no qual as disputas entre as corporações são resolvidas em competições entre pseudogladiadores, apresentado pela mídia como entretenimento e envolvendo pequenos exércitos profissionais lutando com armas anteriores às do ano 1900.

Ilustração de Swenson para o conto The Last Objective (1946), de Paul Carter.

O cenário seguinte possível na FC seria, é claro, o de uma Terceira Guerra Mundial, uma guerra nuclear, com inúmeras ramificações, no que David Langford chamou de “o pesadelo recorrente da ficção científica do século 20 ao longo das décadas da Guerra Fria e até mesmo após isso”. Grande parte das histórias que imaginaram a Terra devastada por uma guerra nuclear preferiram compor o que poderia ser a vida após a devastação, a organização das sociedades e novos possíveis conflitos. Essas histórias foram abordadas no especial Fim do Mundo.
Na The Visual Encyclopedia of SF é apresentada uma definição que, ainda que possa ser considerada um tanto restrita, também pode esclarecer algumas das tendências das histórias de época. “As abordagens da ficção científica para o tema da guerra nuclear se dividiram em duas facções. De um lado, estavam as histórias cuja mensagem era ‘não brinque com fogo’, enquanto do outro lado os escritores começaram a chocar seus leitores com os efeitos inevitáveis do que poderia acontecer se o homem realmente brincasse com o fogo atômico”. E cita como um dos “exemplos mais horripilantes” da segunda categoria o conto The Last Objective, de Paul Carter, publicado na revista Astounding Science Fiction em 1946. Na história, a guerra nuclear deixou toda a população da Terra estéril, originou mutantes e a superfície tornou-se inabitável. Mas as batalhas continuam a ocorrer nos subterrâneos, para onde os sobreviventes fugiram, com os soldados alimentando-se de comida sintética e tendo se tornado quase como robôs. Confrontos ocorrem utilizando tanques semelhantes a “toupeiras mecânicas”.

                                                                                                                                                                          (William Heinemann, 1959).

Também no livro Level 7 (1959), de Mordecai Roshwald, parte da população do planeta abriga-se no subterrâneo durante uma guerra nuclear. Segundo John Clute, a história é profundamente “colorida” por preocupações políticas com relação à nossa civilização nuclear, e o livro recebeu considerável atenção. “Um funcionário militar descreve seus sentimentos e responsabilidades em um imenso abrigo de bombas subterrâneo, mais de um quilômetro abaixo do mundo que gradualmente vai sendo demolido, enquanto a Terceira Guerra Mundial se agrava. Espera-se que ele ative a destruição nuclear do inimigo prontamente, e também que ele prepare a si mesmo para transformar o abrigo em uma fortaleza programada para manter um grupo seleto de humanos vivos por séculos”. No entanto, nem mesmo esse abrigo está livre do perigo, com a radiação atingindo os níveis mais profundos.
Esse conceito de uma guerra nuclear que faz a humanidade viver em abrigos subterrâneos, já existentes ou construídos para tal, surgiu em várias histórias e filmes do período da Guerra Fria.


MAIS HISTÓRIAS


THE CRACK OF DOOM (1895)

Robert Cromie.

(The Echo Library, 2009).

Uma história que antecipa a existência de armas atômicas, ainda que – segundo explica o professor Paul Brians, da Washington State University (em seu ensaio Nuclear Holocaust: Atomic War in Fiction) – uma arma atômica não tenha sido realmente utilizada na história. Um grupo de pessoas alucinadas pretendem utilizar um aparelho nuclear, pensando em acabar com a criação, e por pouco não conseguem.

 

 


ON THE LAST DAY (1958)

Mervyn Jones.

(Jonathan Cape, 1958).

História situada em um futuro próximo e, segundo David Langford, uma das poucas histórias de fc a abordar a Terceira Guerra Mundial sem a utilização de armas nucleares. Rússia e China unem-se para invadir a Grã-Bretanha, cujo governo exila-se no Canadá e consegue construir um novo míssil intercontinental para combatê-los. Segundo John Clute, o livro tem uma escrita típica da principal corrente de escritores de fc, um tanto dura, mas apaixonada.

 

 


ALAS, BABYLON (1959)

Pat Frank.

(Constable & Co. Ltd.).

O livro de Pat Frank geralmente é apresentado como um dos primeiros e mais consistentes a apresentar uma guerra nuclear e os eventos posteriores a ela. O conflito surge após um período em que as tensões entre EUA e União Soviética estão sempre crescendo; as coisas realmente fogem ao controle quando um piloto americano acaba destruindo por acaso um grande depósito de munições em uma base submarina soviética. A explosão é vista pelos soviéticos como um ataque em larga escala dos EUA e eles põem em ação um plano previamente estabelecido, realizando um ataque nuclear aos EUA e aliados, que enviam seus mísseis em retaliação.
A história ainda segue a vida de sobreviventes em uma pequena cidade da Flórida, que ficam sabendo que inúmeras cidades do planeta foram destruídas, as lideranças quase aniquiladas, mas que os combates continuam ocorrendo entre as forças remanescentes.
John Clute escreveu que “(...) aqui, a verossimilhança doméstica e o apocalipse misturam-se de forma atraente (...). O trabalho de Frank sua nítida força emocional dos temores profundos de uma devastação nuclear que muitos americanos sofreram, com alguma razão, nos anos 1950; sua longa popularidade deriva, talvez, da esperança cautelosa de sua conclusão, ainda que Nova York, a Babilônia do título, foi-se para sempre”.
David Pringle ressalta que, apesar de o livro ser um sucesso constante nos EUA, não teve a mesma popularidade fora do país. “Talvez”, ele diz, “isso seja porque ele fornece um retrato muito americano do colapso atômico (e, agora, datado). É um pastoral americano, um hino à autossuficiência e às virtudes da vida na cidade pequena. Nesse romance, a guerra atômica é libertadora: faz de você um homem”.
A história foi adaptada para a TV, na série Playhouse 90, em 1960.


THE MOON GODDESS AND THE SON (1979/1986)

Donald Kingsbury.

Capa de Vincent Di Fate para a história The Moon Goddess and the Son (1979); capa de David B. Mattingly para a edição em livro (Baen, 1987).

História publicada originalmente na revista Analog, em 1979, e depois em livro (1986), contando a história de uma guerra que se inicia por engano, após um ataque terrorista contra alvos soviéticos, inclusive o Kremlin, e que é interpretado como sendo um ataque dos Estados Unidos. O resultado é que a URSS dispara seus mísseis nucleares contra os EUA. O ataque acaba sendo em grande parte neutralizado a partir de uma estação espacial norte-americana em órbita da Terra, que utiliza mísseis abastecidos com antimatéria.
Segundo David Pringle, os personagens são surpreendentemente humanos.