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AS LEIS DE ASIMOV

ESPECIAIS/VE ROBÔS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data10/10/2106
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É verdade que existem críticas à forma como Asimov elaborou as chamadas “Três Leis da Robótica”, mas não há dúvida de que as histórias que ele desenvolveu a partir dessas leis estão entre as mais conhecidas do universo da ficção científica.

Isaac Asimov (Phillip Leonian/ New York World-Telegram & Sun).

As leis introduzidas nos cérebros positrônicos dos robôs inventados por Isaac Asimov começaram a se formar desde suas primeiras histórias, como Robbie (1940, inicialmente publicado com o título Strange Playfellow), Razão (Reason, 1941) e Mentiroso (Liar, 1941), sendo apresentadas de forma explícita no conto Brincadeira de Pegar (Runaround, 1942), todos eles fazendo parte do clássico Eu, Robô, publicado em 1950.
As leis são:
1. Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal;
2. Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei;
3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Leis.
Posteriormente, Asimov começou a unificar suas histórias abrangendo o universo dos robôs, do Império e da Fundação, e no livro Os Robôs e o Império (Robots and Empire, 1985) ele apresentou a Lei Zero, que diz:
0. Um robô não pode prejudicar a humanidade ou, pela omissão, permitir que ela seja prejudicada.
Apenas alguns robôs foram construídos com essa lei embutida em seus cérebros, uma vez que ela sobrepõe-se às demais, e a missão deles era bem mais específica, envolvendo a consolidação da sociedade humana no universo conhecido.

Na introdução de Eu, Robô, Asimov elaborou um texto para unir os contos publicados ao longo dos anos, e apresenta a dra. Susan Calvin, da empresa U.S. Robôs, a primeira “robopsicóloga”, especialista no funcionamento das mentes positrônicas e dos problemas que os conflitos entre as três leis podem provocar. A doutora é um dos personagens fortes criados pelo autor – e uma das pouquíssimas mulheres de suas histórias – e para ela os robôs são uma raça superior à humanidade, mais fortes, limpos e confiáveis. Ela é entrevistada por um repórter e conta a ele as histórias que são apresentadas na sequência.
Entre os contos do livro, destacam-se Fuga! (Escape!, 1945) e O Conflito Evitável (The Evitable Conflict, 1950). O primeiro é importante na elaboração da “história do futuro” proposta por Asimov, estabelecendo o início das viagens interestelares que, por sua vez, possibilitariam a construção do Império e as histórias da Fundação. No segundo, a história se passa num momento em que as nações da Terra haviam formado a Federação, situação considerada pelo autor como imprescindível para a posterior formação do Império. Nesse momento da história, as máquinas controlam a economia mundial, impedindo os erros e as lutas decorrentes dos problemas causados pelos humanos.

Capa da revista Galaxy Science Fiction, de outubro de 1953, com a primeira publicação de Caves of Steel. Ilustração de Ed Emshwiller.

Asimov deu sequência às histórias com robôs positrônicos com a publicação de Caça aos Robôs (The Caves of Steel, 1954), que já havia sido publicado em forma de série na Galaxy Science Fiction entre outubro e dezembro de 1953. Nesse livro ele apresenta o robô R. Daneel Olivaw, que se une ao detetive humano Elijah Baley para investigar um assassinato. É outro momento em que o autor continua a desenvolver sua “história do futuro”, com ação situada num momento em que muitos terrestres já se espalharam pelo universo, mas ainda não formaram um império.
Nesse futuro, a Terra é composta por várias cidades imensas e fechadas ao exterior, e os humanos sofrem de agorafobia, incapacitados de viver em espaços abertos. Já se passaram vários anos desde o início da colonização de outros planetas, e as pessoas que moram nos 50 planetas exteriores são chamados de Espaciais. Os terrestres detestam a crescente utilização de robôs em serviços que eram de humanos, e um grupo defende um retorno ao passado, quando as pessoas viviam em contato com a natureza. O crime em questão é de um Espacial, assassinado na Cidade Espacial, um enclave dos Espaciais ao lado da cidade de Nova York, o que pode originar uma nova crise entre os planetas.

Isaac Asimov, em ilustração de Rowena Morrill. Asimov está sentado num trono com símbolos referentes ao seu trabalho.

Daneel Olivaw é um robô com feições humanas, que passa despercebido entre os terrestres, ainda que Baley conheça sua natureza. O detetive humano, inicialmente com uma atitude de repulsa à convivência com o robô, aprende a conviver com ele e até mesmo passa a gostar dele.

Em 1957, foi publicado Os Robôs (The Naked Sun, publicado anteriormente como uma série em 1956, na revista Astounding Science Fiction and Fact. Relançado no Brasil com o título O Sol Desvelado), mais uma vez trazendo a dupla Elijah Baley e Daneel Olivaw, enviados para solucionar um crime nos planetas exteriores, exatamente aquele que é o maior produtor de robôs.
Nesses dois livros, Daneel Olivaw é apresentado como um robô extremamente capaz e simpático, mas a solução dos casos é sempre atribuída ao humano. Em Os Robôs, a presença de Olivaw fica em segundo plano, o que não aconteceria em livros futuros de Asimov.
Olivaw acompanharia Baley em outro caso, em Os Robôs do Amanhecer (The Robots of Dawn, 1983. Relançado pela Ed. Aleph com o título Os Robôs da Alvorada), mas ainda sem uma participação mais efetiva. Nesse livro, Asimov apresenta o robô Giskard Reventlov, que tem a capacidade de ler mentes humanas, e também cita a psicohistória como uma ciência que se inicia, e que foi elemento essencial na elaboração de sua série Fundação. O crime que investigam diz respeito a um “robloqueio”, um bloqueio robótico que inutiliza o cérebro de um robô por meio de ordens contraditórias que confundem o entendimento das Três Leis da Robótica implantadas em seu cérebro. Como o robô Giskard tem capacidade telepática, a Primeira Lei, que se refere à segurança dos seres humanos, tem nele maior importância do que em outros robôs, que apenas podem obedecer ordens e desejos explicitados verbalmente.
O livro apresenta os robôs atingindo um nível de perfeição jamais imaginado, mesmo por seus criadores. E, apesar dos terrestres continuarem tendo aversão por eles, o entrosamento entre robôs e humanos é perfeito, e sua participação no desenvolvimento da raça humana é decisiva para o sucesso dos empreendimentos.

Em Os Robôs e o Império (Robots and Empire, 1985), Baley já morreu há 200 anos, mas os robôs Daneel Olivaw e Giskard Reventlov permanecem e têm papel preponderante. Como já dissemos, é nesse livro que surge a Lei Zero, e os dois robôs têm a missão de impedir o caos entre os mundos colonizados pelos humanos e garantir a formação do império e a manutenção da paz. A Lei Zero é desenvolvida pelo próprio robô Daneel que, nesse livro, ganha uma dimensão e importância que até então não tinham sido apresentadas por Asimov.
Todo o livro gira em torno das atividades dos dois robôs, que decidem e influenciam todos os eventos, decidindo o futuro dos seres humanos, que estão menos preparados do que eles para saberem o que é melhor para a humanidade como um todo.
Existem muitas críticas com relação à qualidade literária desse livro – como existe com relação a praticamente todos os livros de Asimov –, mas propositadamente ou não, ele deixa um pouco de lado as personagens humanas, tornando-as um tanto neuróticas e problemáticas, quando não vazias de conteúdo, e dá mais atenção ao desenvolvimento das personalidades dos robôs, conferindo-lhes humanidade. À medida que evoluem em seu modo de pensar, enfrentam cada vez mais problemas internos, divagações filosóficas, apesar de que isso é o resultado de um esforço de racionalidade sem precedentes e de uma devoção à humanidade que os próprios seres humanos não possuem.

Em 1982, Asimov deu sequência às histórias situadas no universo da Fundação, com Fundação II (Foundation’s Edge. Relançado como Limites da Fundação). Segundo ele disse em entrevista, apesar de Fundação ter sido publicado 30 anos antes, havia bastante pressão por parte dos fãs para que ele desse sequência às histórias, assim como muito dinheiro oferecido pelo editor. Também é um dos livros que começam a unir as séries dos robôs às histórias da Fundação. Na verdade, é o primeiro livro da série a referir-se ao papel dos robôs no universo, apresentando um planeta colonizado por eles. Asimov não apenas cita os robôs como possuidores de poderes mentais desenvolvidos, mas também insinua que os Eternos, seres que aparecem no livro O Fim da Eternidade (The End of Eternity, 1955), seriam robôs e que eles teriam “rearranjado” o universo para que fosse um local próprio para a vida humana.

Em A Fundação e a Terra (Foundation and Earth, 1986), Daneel Olivaw volta a surgir, já com 20 mil anos de idade, e ficamos sabendo mais sobre sua participação nos eventos envolvendo a história da humanidade como a colonização da galáxia, a criação do Império e o desenvolvimento da psicohistória.
Em 1988 e em 1993, Asimov publicou os livros Prelúdio da Fundação (Prelude to Foundation. Relançado como Prelúdio à Fundação) e Crônicas da Fundação (Forward the Foundation. Relançado Como Origens da Fundação), que apresentam os eventos anteriores ao estabelecimento da Fundação, naquilo que os norte-americanos costumam chamar de prequel, e que alguns no Brasil chamam de prequela. No primeiro livro, o robô Daneel Olivaw aparece mais uma vez como figura importante; primeiro, assumindo a identidade do repórter Chetter Hummin, que entra em contato com Hari Seldon, o responsável pelo desenvolvimento da psicohistória no primeiro livro da série. Hummin/Olivaw convence o cientista a transformar a psicohistória numa ciência prática capaz de salvar o Império Galáctico, o que envolve, é claro, o estabelecimento da Primeira e da Segunda Fundação. Olivaw também assume a identidade de Eto Demerzel, Primeiro Ministro do imperador Cleon, de modo que ele está sempre no centro das ações, influenciando os acontecimentos de acordo com seu plano de escolher os melhores caminhos para a humanidade.
Deve-se dizer que a trama foi bem elaborada no sentido de preencher os vazios da história da humanidade na galáxia, mas de certa forma esse processo também esvazia um pouco a obra original, ao se imaginar a inteligência imensamente superior de Daneel agindo nos bastidores de todos os acontecimentos importantes da humanidade. Ao mesmo tempo, dá ao robô uma dimensão poucas vezes – se é que alguma – vista na ficção científica.
O segundo livro, publicado após a morte de Asimov em 1992, lida mais com a vida de Hari Seldon, uma vez que Olivaw, na pele do Primeiro Ministro Demerzel, desaparece de cena para que o próprio Seldon assuma o posto junto ao imperador.



Outras histórias com robôs



Em 1964, um novo livro de contos com robôs foi publicado, Os Novos Robôs (The Rest of the Robots), com oito histórias escritas entre 1942 e 1958.

Em 1975, a coletânea Júpiter à Venda (Buy Jupiter and Other Stories) trouxe 24 contos. Versos na Luz (Light Verse; publicado originalmente em 1973 na revista The Saturday Evening Post) traz a história de um robô que desenvolve dons artísticos e criatividade.

Em 1976, foi a vez da coletânea O Homem Bicentenário (The Bicentennial Man and Other Stories), com 11 histórias e um poema; quatro delas lidam com robôs, inclusive a que dá o título ao livro.
O conto O Incidente do Tricentenário (The Tercentenary Incident) traz a possibilidade de um robô assumir um posto político, algo que já havia sido sugerido nos contos Prova e O Conflito Evitável, ambos publicados em Eu, Robô.

Em 1982, foi publicada a coletânea Nós, Robôs (The Complete Robot), alguns não incluídos em livros anteriores. O conto Imagem Especular (Mirror Image, 1972) traz mais uma vez os personagens Elijah Baley e Daneel Olivaw, e é uma continuação aos livros Caça aos Robôs e Os Robôs.

Em 1986, a coletânea Sonhos de Robô (Robot Dreams) traz uma história original sobre robôs (que dá o título ao livro) e outras anteriormente publicadas.



Em 1990, Visões de Robô (Robot Visions), outra coletânea com várias histórias anteriormente publicadas e uma inédita (que dá o título ao livro).




1993

Isaac Asimov’s Caliban, de Roger MacBride Allen. O primeiro livro de uma trilogia, autorizada após a morte de Asimov em 1992, situada no universo dos robôs, do Império e da Fundação, de Isaac Asimov. No período em que a história se passa, a humanidade está espalhada por alguns planetas, uns totalmente contrários à utilização de robôs, outros utilizando os robôs como ponto central de sua cultura e economia. Os livros são inéditos no Brasil (e, até onde consegui checar, também em Portugal).

[Ace Books. Capa: ilustração de Ralph McQuarrie.]



1994

Isaac Asimov’s Inferno, de Roger MacBride Allen. O segundo da trilogia, diz respeito ao desenvolvimento de robôs que não seguem as Três Leis, mas sim as Novas Leis da Robótica.

[Ace Books. Capa: ilustração de Ralph McQuarrie.]

 

 



1996

Isaac Asimov’s Utopia, de Roger MacBride Allen. O terceiro da trilogia, com os robôs que seguem as Novas Leis já estabelecidos na sociedade, inclusive com sua própria cidade, Valhalla.

[Millennium/ Capa: ilustração de Bruce Jensen.]

 

 



1997

Fundação: O Medo (Foundation’s Fear. Publicações Europa-América, Portugal), de Gregory Benford. O primeiro livro da trilogia da Segunda Fundação, escrita por três autores. Robôs são citados.

 

 

 



1998

Fundação: O Caos (Foundation and Chaos. Publicações Europa-América, Portugal), de Greg Bear. Segundo da trilogia, esse volume tem Daneel Olivaw como personagem importante, contrapondo-se a robôs que desconhecem e não seguem a Lei Zero.
 

 

 


1999

Fundação: O Triunfo (Foundation’s Triumph. Publicações Europa-América, Portugal), de David Brin. No último da trilogia, surge novamente o robô Giskard Reventlov, que desenvolveu a Lei Zero com Daneel Olivaw; ou, para ser mais exato, surge a cabeça do robô.
 

 

 



Adaptações para o cinema e televisão

Caça aos Robôs (The Caves of Steel)


Episódio da antologia Story Parade, da BBC, apresentado em 1964. A direção foi de Peter Sasdy, com roteiro de Terry Nation, bastante conhecido por seus roteiros para os seriados Doctor Who, o clássico Blake’s 7, produção inglesa que jamais chegou ao Brasil, e Os Vingadores (The Avengers), entre outros. Peter Cushing interpretou Elijah Baley, e John Carson, Daneel Olivaw.

 

 


Pobre Robô Perdido (Little Lost Robot)
Conto do livro Eu, Robô, apresentado no seriado inglês Out of This World, em 1962.

Pobre Robô Perdido (Bob Booker Productions).

 

 


Satisfação Garantida (Satisfaction Guaranteed)
Conto publicado na revista Amazing Stories em 1951, e nos livros A Terra Tem Espaço (Earth Is Room Enough, 1957), Os Novos Robôs (The Rest of the Robots) e Nós, Robôs (The Complete Robot). Apresentado no seriado inglês Out of the Unknown, em 1966.


The Prophet
Baseado no conto Razão (Reason, publicado originalmente em 1941 na revista Astounding Science Fiction; depois, em Eu, Robô; Nós, Robôs; e Visões de Robô). Apresentado no seriado inglês Out of the Unknown, em 1966.

The Prophet (BBC).

 

Mentiroso (Liar)

Baseado no conto publicado originalmente em 1941 na revista Astounding Science Fiction; depois, em Eu, Robô e em Nós, Robôs. Apresentado no seriado inglês Out of the Unknown (BBC), em 1969.

 

 

 

 

 

 


Os Robôs (The Naked Sun)
Apresentado no seriado inglês Out of the Unknown, em 1969.

 The Naked Sun (BBC).

Paul Maxwell (como Elijah Bailey)  e David Collings (como R. Daneel Olivaw), em The Naked Sun.

 


O Homem Bicentenário (Bicentennial Man)

O Homem Bicentenário (Touchstone Pictures/ Columbia Pictures).


Em 1993, a história foi ampliada e reescrita com a ajuda de Robert Silverberg, publicada com o título The Positronic Man. A nova versão foi a base para o filme O Homem Bicentenário (Bicentennial Man, 1999), produzido pela Touchstone e Columbia, e distribuído pela Buena Vista, com direção de Chris Columbus. A história é muito boa, narrando a trajetória do robô Andrew, interpretado por Robin Williams, ao longo de 200 anos. Ele não apenas cresce intelectualmente, mas vai modificando seu próprio corpo na tentativa de tornar-se cada vez mais humano, introduzindo mais e mais componentes biológicos. Chega ao ponto de reivindicar ser legalmente considerado humano.
A produção chegou aos 100 milhões de dólares, mas nas bilheterias não foi tão bem quanto os produtores esperavam. Recebeu críticas bem negativas, em especial devido a falhas no roteiro e a um excesso de sentimentalismo, mas não chega a ser um filme ruim.

 

Eu, Robô (I, Robot)

Will Smith em Eu, Robô (20th Century Fox).


Filme de 2004, dirigido por Alex Proyas, com Will Smith. Foi apenas “sugerido” pelo livro de Asimov, o que absolutamente não livra a cara dos produtores, uma vez que tem pouco a ver com o clima pretendido pelo autor, para não falar das noções que ele sempre defendeu em suas histórias de robôs positrônicos. Na verdade, o roteiro foi baseado principalmente numa história de Jeff Vintar, um dos roteiristas do filme.