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O PACTO

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data06/12/2010
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Novo livro de Joe Hill é uma interessante viagem pelos meandros da mente humana; às vezes, aterrorizante; outras, maravilhosa.

A vida de Ignatius Perrish, mais conhecido como Ig, se transforma num verdadeiro inferno. E pode-se dizer que literalmente. Além de ser acusado de um crime horrendo e, por isso, passar a ser visto por todos em sua cidade – inclusive sua família – como um criminoso desalmado, um dia Ig acorda e percebe que dois chifres surgiram em sua cabeça. E não se trata de chifres metafóricos, mas de verdadeiros chifres como os de um demônio, ainda que as pessoas não consigam perceber claramente a sua presença.
Os chifres exercem um efeito avassalador nas pessoas. Quando estão na presença de Ig, as pessoas começam a contar a ele, com toda a naturalidade e sem que possam evitar, seus maiores pecados, seus sentimentos mais profundos. Incapazes de esconder seus pensamentos e sentimentos, despejam verdades capazes de arrasar com suas vidas e perturbar de maneira imprevisível a vida do próprio Ig, já envolvo numa névoa de dúvidas e desespero.
Aos poucos, Ig começa, se não a gostar, pelo menos a perceber que sua nova condição – uma espécie de diabo – tem suas vantagens. Transformado em pária, ele pelo menos pode descobrir o que realmente aconteceu com sua vida, como foi possível que as coisas chegassem ao ponto em que se encontravam e, talvez, amenizar seu sofrimento.
O Pacto (Horns) é o segundo romance de Joe Hill – o primeiro foi A Estrada da Noite (Heart-Shaped Box, 2007) –, pseudônimo de Joseph Hillstrom King, filho de Stephen e Tabitha King, nome que preferiu utilizar para evitar a aproximação com o trabalho do pai, um dos maiores escritores de terror do mundo. E, é claro, essa aproximação ocorre, mas não deve ser vista em termos de comparação, seja pela qualidade literária ou quaisquer outros.
A verdade é que Joe Hill é um excelente escritor. Ponto. Seu livro de contos Os Fantasmas do Século XX (20th Century Ghosts, 2005), sua estreia na literatura, também foi publicado no Brasil pela mesma Editora Sextante, e é um exemplo de força de sua narrativa, da inventividade dos temas propostos e das soluções que apresenta.
Ao longo do livro é possível encontrar várias vezes referências ao suposto dualismo Deus e Diabo, nem sempre favoráveis ao primeiro, mas sustentando uma suposição interessante: se Deus é contra os pecados e o Diabo pune os pecadores, isso não significaria que estão do mesmo lado, cada um fazendo seu trabalho?
O diabo em que Ig aos poucos se transforma reforça essa teoria ou proposta. Antes dos seus chifres aparecerem, e antes mesmo de sua vida se transformar num inferno, Ig era um exemplo de amor e dedicação ao próximo. Resumindo, era um cara legal com todo mundo. Como diabo, não mudou em nada, sempre pensando nos outros, ainda que com poderes que antes não possuía; repleto de amor, ainda que nem sempre o amor por Deus, pelo Deus para o qual as pessoas costumam rezar. As transformações de caráter pelas quais possa passar são causadas quase sempre pelas verdades que as pessoas despejam sobre ele, e que o fazem perceber que as pessoas não são o que ele imaginava, ou desejava, que fossem.
Um livro maravilhoso, às vezes cruel e com muitas imagens e situações ainda não muito bem definidas, mas que abrem um amplo espaço para discussão e divagação. Tudo indica que os fãs da literatura fantástica ainda vão ouvir falar muito em Joe Hill.

O PACTO (Horns, 2010)
Joe Hill
Editora Sextante
320 páginas