Artigos

Sepultura Para a Eternidade

DVD

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data29/09/2010
fonte
A Cult Classic lança um dos mais interessantes filmes de ficção científica dos anos 60.

Ainda que não muito conhecido no Brasil, o personagem professor Quatermass é bem famoso na Inglaterra. Criado pelo escritor Nigel Kneale, foi o centro de histórias de ficção científica para a televisão, rádio e cinema, e esta que a Cult Classic lança em DVD é a melhor.
Lançado originalmente no Brasil com o título Uma Sepultura na Eternidade (Quatermass and the Pit, ou Five Million Years to Earth, 1967), chega em DVD com o título levemente alterado de Sepultura Para a Eternidade e um erro na capa: o nome do diretor é Roy Ward Baker, e não Rod.


Quatermass (Andrew Keir, à direita) e seu colega dr. Roney (James Donald) examinam o marciano.

Seja como for, é uma beleza de filme, uma das grandes produções da Hammer, na época ainda no auge de sua criatividade. No cinema, a série com o professor Quatermass começou em 1955, com Terror Que Mata (The Quatermass Experiment, ou The Creeping Unknown), com Val Guest como diretor; e teve sequência em 1957, com Usina de Monstros (Quatermass II, ou Enemy From Space), com o mesmo diretor, e ambos pela Hammer. Em 1979 foi produzida a série The Quatermass Conclusion, mas o resultado foi lamentável.
A história é uma doideira deliciosa, um exagero controlado, se é que podemos falar assim. Operários estão fazendo escavações para o metrô de Londres quando descobrem um estranho objeto enterrado. Posteriormente, com a chegada da polícia, dos militares e dos cientistas, descobre-se que se trata de uma nave espacial de origem indeterminada. Ela está enterrada no local há milhares, ou milhões, de anos.


Os simpáticos gafanhotos marcianos, mortinhos em sua nave.

Quando o professor Quatermass, o cientista pau para toda obra, entra em ação, descobre-se que dentro da nave ainda se encontram os corpos dos alienígenas. Quatermass também desenvolveu um aparelho que transforma os pensamentos inconscientes em imagens, reproduzidas num aparelho de televisão, o que permite saber muita coisa do passado dos seres.
A nave exerce algum tipo de influência nos humanos, pois permanece ativa com algum tipo de energia. E os corpos mortos no interior da nave assemelham-se a gafanhotos imensos, na verdade marcianos, de uma época em que Marte possuía uma civilização.


Um cadáver milenar sendo removido para estudos.

O roteiro de Nigel Kneale não agradou a todos os críticos, alguns destacando o exagero e a mistura de propostas, mas é esse “exagero” que dá fornece o clima de delírio necessário à história; e ela antecipa algumas questões que, por exemplo, foram apresentadas no ano seguinte em 2001: Uma Odisseia no Espaço. Talvez de forma mais brutal, Uma Sepultura trabalha com o conceito de que os marcianos estiveram na Terra no alvorecer da humanidade. Eles vieram procurando escravos e, não encontrando o que desejavam, alteraram geneticamente a raça. Assim, eles são os responsáveis pelo desenvolvimento da humanidade, nossos criadores e deuses, e por isso carregamos no inconsciente coletivo memórias desses seres.


O inconsciente coletivo cria o caos em Londres.

Da mesma forma, as crenças em criaturas demoníacas e em alguns símbolos para combatê-las vêm dessa memória ancestral. E é o inconsciente dos habitantes de Londres, ampliado pela energia ainda existente na nave, que proporciona os eventos finais do filme, com imagens alucinantes. As atitudes das pessoas resgatam as atitudes dos próprios alienígenas que, de tempos em tempos, embarcavam num ritual de delírio e suicídio.
Tudo no filme funciona bem e as explicações se encaixam maravilhosamente, culminando em cenas de caos absoluto. Uma beleza de filme.


Pesquisando o Passado
O conceito da presença de extraterrestres no passado longínquo da Terra já vinha sendo desenvolvido há algum tempo, em particular com os trabalhos de Charles Fort (O Livro dos Danados, 1919), Peter Kolosimo (O Planeta Desconhecido, 1957), Jacques Bergier e Louis Pauwels (O Despertar dos Mágicos, 1959) e Robert Charroux (A História Desconhecida dos Homens, 1963). No ano seguinte ao filme, se tornaria ainda mais popular com a publicação de Eram os Deuses Astronautas?, de Erich von Däniken, que se tornou um dos grandes best-sellers da época. O livro deu origem a inúmeras discussões e acusações por parte de arqueólogos e outros cientistas; também foi o estopim para uma enxurrada de livros do gênero, alguns escritos por cientistas que estavam descontentes com o rumo que as pesquisas sobre nosso passado estavam seguindo.


Quatermass pra todo lado
O personagem professor Bernard Quatermass foi criado por Nigel Kneale em 1953 para um seriado da televisão BBC de Londres, The Quatermass Experiment, apresentado em seis partes de meia hora. Segundo as informações, foi o primeiro seriado de ficção científica para público adulto realizado na Inglaterra. A história se situa num futuro próximo em que o programa espacial está a pleno vapor, e o professor Quatermass é o dirigente. A primeira espaçonave tripulada é enviada ao espaço com uma tripulação de três astronautas, mas quando retorna, um deles não está presente e outro está agindo de forma estranha. Logo ficamos sabendo que um alienígena entrou na nave e passou a ameaçar todo o planeta.
A segunda série, Quatermass II, foi apresentada em 1955, e dessa vez o professor Quatermass descobre uma conspiração que envolve alienígenas infiltrados no governo britânico.
A terceira série, Quatermass and the Pit, foi apresentada em 1958/59, com história semelhante à do filme, com Quatermass encontrando um objeto numa escavação arqueológica, o qual exerce influência sobre as pessoas, e revela segredos sobre o passado da humanidade.
A quarta série foi a já citada The Quatermass Conclusion (ou Quatermass IV), muito inferior às anteriores e aos filmes, apresentada em quatro episódios de 50 minutos. Fora da Inglaterra, foi apresentado como um filme com 100 minutos.
Em 2005, a BBC apresentou um remake do seriado original, The Quatermass Experiment, com apresentação ao vivo, como no teatro e nos antigos programas de televisão.
Uma versão serializada da história de Quatermass II, escrita por Kneale, foi publicada no jornal Daily Express em dezembro de 1955. Uma novelização da série foi publicada em livro em 1979, também escrita por Kneale, contendo cenas não apresentadas na TV, assim como a novelização de Quatermass and the Pit.
Em 1996, foi apresentado The Quatermass Memoirs, na BBC Radio 3.

 

 

 

 


Homenagens
Apesar de Nigel Kneale não ser um admirador da série Dr. Who, diz-se que ela foi bastante influenciada pelas séries e filmes com o professor Quatermass. Os especialistas citam vários episódios em que ocorrem homenagens diretas ou indiretas.
Fala-se que as séries influenciaram inúmeros escritores e diretores ligados ao terror e ficção científica, como Stephen King, Joe Dante e John Carpenter. As homenagens prestadas por John Carpenter surgem visivelmente nos filmes Príncipe das Sombras (Prince of Darkness, 1987) e À Beira da Loucura (In the Mouth of Madness, 1994). No primeiro, ele assina o roteiro como Martin Quatermass – apresentado numa biografia como irmão de Bernard Quatermass, formado em física pela Universidade Kneale. Carpenter já havia trabalhado com Nigel Kneale no filme Dia das Bruxas 3 (Halloween III: Season of the Witch, 1983), ainda que o nome de Kneale não tenha surgido nos créditos oficiais. No segundo, Carpenter apresenta a cidade fictícia de Hobbs End, que é o nome do local em que ocorre a descoberta da nave alienígena em Uma Sepultura na Eternidade. E por falar nisso, hob é um dos nomes pelos quais o diabo é popularmente conhecido na Inglaterra, ou também pode ser “duende”.