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FICÇÃO CIENTÍFICA MILITAR

ESPECIAIS/VE AS GUERRAS NA FC

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data03/10/2022
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A tradição das histórias de fc apresentando guerras e conflitos militares variados consolidou-se na segunda metade do século 20 e, desde então, só cresceu.

Ainda que pareça existir pouca diferença entre os termos “guerras futuras” e “ficção científica militar”, alguns autores preferem diferenciar as histórias, principalmente situando-as em contextos históricos diferentes. Brian Stableford disse que “Ainda que a possibilidade de guerras futuras na Terra e imagens do holocausto nuclear tenha dominado a imaginação dos escritores de fc de 1945 até os anos 1950, guerras mais exóticas continuaram a ser travadas, e histórias de guerras interplanetárias e interstelares tornaram-se um refúgio mais seguro para aventuras militaristas”.

Capa de Richard Powers (Harcourt, Brace & Company, 1955).

Stableford e David Langford ressaltam que uma nova tradição de fc militarista (ou militar) cresceu nos anos 1950 e 1960, citando como precursores desse subgênero as histórias Space Cadet (1948), de Robert A. Heinlein, e Star Guard (1955), de Andre Norton, que faz parte do ciclo de histórias que a autora chamou de Central Control, situadas milhares de anos no futuro, quando um império está em processo de desintegração. Nesse livro, a autora apresenta dois tipos de guerreiros, os Arch, que lutam em Hordas utilizando armas mais simples, e os Mechs, que utilizam armamentos mais modernos e organizam-se em Legiões. Ambos são mercenários e lutam em diversos planetas civilizados.
Heinlein também escreveu o famoso Tropas Estelares (Starship Troopers, 1959), que recebeu – e ainda recebe – críticas ferrenhas, mas que tem seus defensores. Foi publicado em duas partes em The Magazine of Fantasy and Science Fiction, com o título Starship Soldier, e no mesmo ano como livro. George Mann (em The Mammoth Encyclopedia of Science Fiction) lembra que o livro é visto por muitos como enaltecendo a vida militar e, assim, diz-se que ele trai as inclinações direitistas de Heinlein. “Qualquer que seja o caso”, diz Mann, “o romance é um dos livros-chave do subgênero militarista, e foi a inspiração de muitos outros livros”.

                                                                                                Capa de Ed Emshwiller, ilustrando a história Starship Soldier (1959).

John Clute e David Pringle disseram que o livro é bem diferente do que Heinlein vinha escrevendo até então, e originalmente foi escrito para o público juvenil, porém foi rejeitado pelo editor devido a sua violência, e foi “(...) o primeiro título no qual Heinlein expressou suas opiniões com vigor irrestrito. Uma história de guerra futura interestelar que ajudou a estabelecer o subgênero da Ficção Científica Militar, e cujos trajes de batalha energizados inspiraram os ‘mecha’ japoneses, ganhou o Hugo de 1960, mas também deu a Heinlein a reputação de ser um militarista, até mesmo um ‘fascista’. (...) As figuras paternas, sempre importantes em sua ficção, a partir desse ponto tendem a proferir monólogos intermináveis na voz do autor, e diálogo e ação tornam-se armadilhas nas quais quaisquer versões antagônicas da realidade são cortadas pela parcialidade prejudicada do autor”.
David Pringle diz que o livro é “uma falação rude e didática”, mas também repleto de detalhes engenhosos e “revelações habilmente insinuadas (é revelado que o herói é negro, um fato impressionante na época). Em retrospecto, o romance pode ser visto como tendo iniciado toda uma escola de ficção científica americana militarista (vejam os trabalhos de David Drake, Jerry Pournelle e outros). Também representa o início da fase direitista prepotente de Heinlein e também o princípio de seu declínio como escritor de FC de primeiro nível”.

Capa de Jerry Robinson (G.P. Putnam's Sons, 1959).

Adam Roberts disse que Tropas Estelares “(...) é uma das novelas de FC mais direitistas já escritas”, e que “(...) despojado de suas premissas deliberadamente bombásticas, o romance é, no mínimo, ‘quase’ fascista”. As acusações ocorreram logo após a publicação do livro, em grande parte devido ao conceito de sociedade que ele apresenta segundo o qual apenas os veteranos têm direito a voto, ainda que Heinlein tenha explicado que ele se referia ao serviço público em geral, e não apenas aos militares. Segundo Roberts, “Há um elemento de dissimulação aqui; Tropas Estelares não apresenta ao leitor quase nenhum outro personagem além dos militares e o tom é tão zeloso e celebratório quem nem um leitor em mil conseguiria entendê-lo como qualquer outra coisa que um hino às forças armadas”. No entanto, Roberts também entende que “(...) chamar Heinlein de fascista é sugerir que seus livros pregam o conformismo a um volk nacional militarista ou a subordinação a um líder, o que deturpa por completo seu tipo particular de reação ideológica”. Segundo o crítico explica, Heinlein não estava ideologicamente comprometido com ideais raciais ou geográficos, “(...) e seus livros defendem com consistência uma posição contrária estudadamente responsável, em especial com relação ao governo dos Estados Unidos. Em outras palavras, ele era um libertário de direita e seus livros pregavam um evangelho libertário”.
Stableford e David Langford também citam como referência no início desse subgênero militarista o livro de Gordon R. Dickson, Dorsai (1959/1960), que deu origem a uma série de livros e que “(...) ambiciona oferecer um comentário sério sobre a evolução e a ética do militarismo”.

Conforme os dois críticos explicaram, “O contexto histórico inicial dessa FC foi fornecido pela Guerra da Coreia, na qual a intervenção das tropas das Nações Unidas expressou uma nova filosofia de ação e responsabilidade militar; mas dúvidas acerca do papel representado pelas forças dos EUA foram subsequentemente certamente amplificadas pelo avanço da Guerra do Vietnã”.

                                                                                                                                             Capa de Jim Burns (Eos/HarperCollins, 2003).

Assim, eles dizem que conceitos sobre a justificativa moral da guerra e a política do militarismo tornaram-se matéria de debates ferozes, que foram exemplificados na ficção científica em romances como Guerra Sem Fim, de Joe Haldeman, “(...) claramente uma homenagem parcial da Tropas Estelares, mas subvertendo muitas das hipóteses que o livro anterior aceitava como verdadeiras”.
David Pringle também diz que o livro é uma “Boa e realística FC militar que, na verdade, subverte muitos dos clichês dessa categoria”. Sobre Joe Haldeman, George Mann lembra que “Ainda que muito de seu trabalho tenha, inevitavelmente, um sabor militar, ele é, apesar de tudo, sensitivo e compassivo em sua análise da condição humana,(...) e Guerra Sem Fim é muito claramente um livro desses”.

Capa de Bruce Jensen (Ace Books, 1997).

Haldeman também descreveu outra guerra em seu livro Forever Peace (1997) que, apesar do título semelhante, não é uma sequência ao livro anterior. A guerra apresentada ocorre na Terra, em um futuro próximo, mais exatamente no ano 2048, com uma Aliança militar enfrentando guerrilhas do terceiro mundo utilizando robôs controlados à distância e quase invencíveis. Os operadores dos robôs têm interfaces sensoriais implantadas em seus crânios e, como diz George Mann, “O livro é tematicamente relacionado com Guerra Sem Fim na forma como retrata a sensação de distanciamento dos soldados quando eles saem de seus compartimentos de controle de realidade virtual e tentam retornar à sociedade normal”. Como o livro anterior, esse também ganhou os prêmios Hugo e Nebula, além do John W. Campbell Memorial Award.

Stableford diz que o livro de Joseph Heller, Ardil 22 (Catch-22, 1961) foi o romance antiguerra mais bem sucedido dos anos 1960 e, ainda que não seja um livro de fc, influenciou algumas histórias da ficção científica, citando como exemplo o conto (ou noveleta) Final War, de Barry N. Malzberg, publicado em The Magazine of Fantasy and Science Fiction, em 1968. O crítico diz que a história apresenta a guerra como um pesadelo surreal e sem sentido, sobre um soldado que, contra sua vontade, está preso em um jogo de guerra interminável.

                                                                                                                                                                                      (Sphere Books, 1972).

O sensacional e engraçado livro de Joseph Heller situou a história na Segunda Guerra, mas foi a Guerra do Vietnã que inspirou muitas histórias de fc na década de 1960, como The Men in the Jungle (1967), de Norman Spinrad, que, como diz John Clute, “(...) submete seu protagonista violento e urbano a uma complexa série de aventuras de realpolitik em um planeta distante, no qual as condições lembram os eventos então vigentes no Vietnã, e demonstra o vigor e a ousadia descuidada ocasional que iria se tornar o estilo típico de Spinrad”. David Pringle diz que a história apresenta um sujeito desonesto e seus associados que fogem às pressas para o Cinturão de Asteroides em busca de outro mundo para explorar, e encontram um planeta governado por canibais sádicos e, contra sua vontade, acabam se tornando seus libertadores. Segundo Pringle, é um livro sombrio, violento, rude e sexy, uma das características de algumas histórias de new wave norte-americana.
Na época da Guerra do Vietnã ocorreu uma espécie de conflito político sobre a ação dos EUA, com parte da população a favor e parte contra, e na comunidade dos escritores de ficção científica não foi diferente. Segundo lembram Stableford e David Langford, esse conflito foi nitidamente ilustrado em uma edição da revista Galaxy Science Fiction, em 1968, na qual os editores apresentaram duas listas de escritores, a favor e contra a guerra; e, dizem eles, “As memórias daquela guerra continuaram a assombrar a fc”, refletindo-se em trabalhos nas décadas posteriores. No entanto, dizem os críticos, “(...) a tradição da fc militarista não apenas floresceu desde o fim da Guerra do Vietnã, mas tornou-se extraordinariamente estridente”.



MAIS HISTÓRIAS

 

BILL, O HERÓI GALÁCTICO (1965)

Harry Harrison.

Ilustração de John Giunta para a história The Starloggers (1964).

Publicado originalmente como The Starsloggers (1964) em Galaxy Magazine. Como disse Stableford, é uma resposta antiguerra direta a Tropas Estelares, na forma de paródia.
 


 

 


HAMMER’S SLAMMERS (1979)

David Drake.

Capa de Paul Alexander (Ace Books, 1979).

Uma série de livros apresentando mercenários que lutam em diversos planetas. Segundo Stableford, os livros ajudaram a iniciar a moda das histórias de fc com mercenários.
O título do livro inicial é também o nome da companhia de mercenários liderados pelo coronel Hammer. Segundo David Pringle, o fato de o autor ser um veterano da Guerra do Vietnã “(...) traz um certo realismo agressivo ao heroísmo repetitivo das histórias”.
O primeiro livro publicado foi Hammer’s Slammers (1979) e reúne histórias escritas entre 1974 e 1979, algumas delas publicadas anteriormente em revistas, além de alguns ensaios nos quais o autor fornece detalhes sobre o universo no qual as ações estão ocorrendo.
Outros livros da série: Cross the Stars (1984); At Any Price (1985); Counting the Cost (1987); Rolling Hot (1989); The Warrior (1991); The Sharp End (1993); The Voyage (1994); The Tank Lords (1997); Paying the Piper (2002).


 


JANISSAIRES (1979)

Jerry Pournelle.

Capa de Enric (Ace Books, 1979).

Série de livros iniciada em 1979 e que, como diz David Pringle, juntamente com Hammer’s Slammers, é um dos representantes do novo subgênero dos “mercenários” na fc americana. A história inicia com um pelotão de mercenários americanos lutando contra cubanos na África, a serviço da CIA. Eles são abduzidos por um disco voador e levados a um planeta distante para subjugar a população local que, por sua vez, é descendente de mercenários de diferentes épocas de nossa história.
Outros livros da série: Clan and Clown (1982), em parceria com Roland J. Green; Storms of Victory (1987), em parceria com Roland J. Green; Mamelukes (2020), em parceria com Phillip Pournelle e David Weber.


SÉRIE BERSERKER (1967-2005)

Fred Saberhagen.
Segundo David Pringle, a série é uma space opera clássica, com histórias situadas em um ambiente no qual ocorre uma invasão galáctica de seres conhecidos como Berserkers, naves de guerra automáticas gigantescas dedicadas a destruírem todo tipo de vida, controladas por inteligências artificiais, e que às vezes surgem em formatos menores, como robôs.
John Clute disse que o primeiro volume da série, As Máquinas da Destruição (Berserker, 1967. Em Portugal, pela coleção Argonauta), é um dos melhores, trazendo 11 histórias conectadas. A primeira, Without a Thought, foi publicada originalmente em 1963 na revista Worlds of If, com o título Fortress Ship. Na sequência surgiram: Irmão Assassino (Brother Assassin, 1969. Em Portugal, pela coleção Argonauta); Berserker’s Planet (1975); Berserker Man (1979); The Ultimate Enemy (1979); The Berserker Wars (1981); Berserker Base (1985); The Berserker Throne (1985); Berserker: Blue Death (1985); The Berserker Attack (1987); Berserker Lies (1991); Berserker Kill (1993); Berserker Fury (1997); Shiva in Steel (1998); Berserker’s Star (2003); Berserker Prime (2004); Rogue Berserker (2005).
Alguns dos livros repetem histórias mais antigas e, segundo John Clute, a partir de The Berserker Wars até o final, as histórias, talvez inevitavelmente, enfraqueceram o impacto da premissa inicial. “A sequência”, diz Clute, “foca em análises sofisticadas do conflito homem-máquina tão frequentemente utilizado pelos escritores de ficção científica, desde os primeiro dias da space opera”.

Abaixo: Capa de Richard Powers (Ballantine Books, 1967); capa de Richard Powers (Ballantine Books, 1969); capas de Lima de Freitas (1974).


SÉRIE GUERRA DO VELHO (2005-2015)

John Scalzi.
Guerra do Velho
As Brigadas Fantasma


JUSTIÇA ANCILAR (2013)

Ann Leckie.


THE TALES OF KNOWN SPACE

Larry Niven.
 


SÉRIE CoDOMINIUM

Jerry Pournelle.
 


SAGA VORKOSIGAN

Lois McMaster Bujold.
 


TERRO-HUMAN FUTURE HISTORY

H. Beam Piper.