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MÚSICA DE OUTRO MUNDO

Música

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data14/03/2015
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Geralmente apresentada como uma banda de rock progressivo, o Magma inventou uma linguagem para contar a história dos refugiados da Terra que se instalaram no planeta Kobaïa.

Nos anos 1970, havia em São Paulo poucas lojas em que era possível comprar discos de rock importados. Poucas mesmo. Não havia CDs, não havia pirataria pela internet – porque não havia internet –, não havia Galeria do Rock, muitas bandas não tinham seus discos lançados no Brasil e, para complicar as coisas, as informações sobre as bandas eram escassas; uns minguados programas de rádio aqui e ali, às vezes, tocavam alguma coisa diferente; os jornais pouco ou nada falavam sobre o assunto, e as revistas eram insuficientes e, muitas vezes, ineficazes.
Quando era possível comprar um disco importado, se você não conhecesse a banda, você iria arriscar, pois os discos eram vendidos lacrados, fechados com um envoltório plástico. Na época, quase todas as lojas de disco tinham aquelas cabines nas quais você podia ouvir o disco antes de comprar. Era legal, mas também aumentava a possibilidade de você comprar discos riscados, já que nem todo mundo tinha o mesmo cuidado que, digamos, eu, ou os demais tarados por rock e discos. Mas com os importados, não! Se você segurasse o disco já tinha gente olhando.
Foi nessas condições que, um dia, que até poderia ser belo, mas eu não lembro, entrei numa pequena loja de discos que existia quase na esquina da Brigadeiro Luís Antônio com a Paulista (acho que chamava Danny) e me deparei com um disco da banda francesa Magma. O disco, gravado ao vivo, chama-se Inédits, é de 1977, e a qualidade do som é discutível; parece que foi gravado num barzinho com um público de algumas dezenas de pessoas, se tanto. Os únicos fiapos de informação que eu tinha era que a banda era citada quando se falava da banda francesa mais famosa, Gong. E nada mais.
Os nomes das músicas me chamaram a atenção imediatamente. Títulos como: “Sowiloï + KMX - EXII - opus 3”; “Om Zanka”; “KMX - BXII - opus 7”. Por que comprá-lo, por que não comprá-lo? Comprei-o-o!


Hoje, conhecendo melhor a história da banda, poderia até dizer que minha primeira reação ao ouvir aquele disco foi imaginar de que planeta aqueles caras tinham vindo. Mas não foi isso. Foi mais pra: “mas que caráleo é isso?” Rock, jazz? Sei lá! Mas era muito legal, diferente, e os músicos sensacionais.
Com raízes no rock e no jazz, o Magma foi fundado em Paris, em 1969, pelo baterista Christian Vander. Segundo ele disse, a inspiração para formar a banda veio de uma visão de um futuro ecológico e espiritual da humanidade, que o perturbou imensamente.
Seu primeiro álbum – Magma, posteriormente rebatizado Kobaïa – começa a contar a história do futuro da raça humana, numa época em que a sociedade está decadente e sem rumo espiritual. Um grupo de pessoas resolve financiar a construção de uma espaçonave e, assim, deixam o planeta em busca de uma existência melhor, planejando reconstruir a civilização humana com novos e mais espiritualizados ideais. E encontram o planeta Kobaïa.
Tempos depois, com a sociedade já estabelecida no planeta, entram em contato com uma nave terrestre que se encontra em dificuldades na órbita de Kobaïa. Os terrestres contam sobre a crescente degeneração da sociedade na Terra e pedem aos kobaïanos para ir à Terra e espalhar sua filosofia, numa tentativa de reverter a situação.
Os álbuns seguintes contam a história da visita à Terra e as influências que eles deixam aqui, ainda que nem todos os trabalhos posteriores do Magma transitem por esse universo.


Para contar essa história, Christian Vander resolveu inventar uma linguagem, apresentada como um idioma fonético, com elementos de esloveno e alemão. Foi a forma encontrada por Vander e sua banda para expressar sentimentos por meio da música, mais do que contar uma história palavra por palavra. Vander disse que o francês não era suficiente, tanto para contar a história quanto para compor os elementos da música.
O crítico Peter Thelen, da revista Exposé, disse que em seu quarto álbum, Kohntarkosz (1974), os vocais do Magma já pareciam mais um elemento da música do que uma forma de narrativa. Não por acaso, o primeiro vocalista da banda, Klaus Blasquiz, disse que o kobaïano era uma “linguagem do coração”, com as palavras sendo inseparáveis da música.
Segundo Vander, ao escrever, os sons do idioma kobaïano surgiram naturalmente; ele não pensou em elaborar meticulosamente o idioma, mas os sons surgiram ao mesmo tempo em que a música. Assim, o idioma passou a ser conhecido como uma “linguagem lírica”.


O baterista Christian Vander, hoje um dos mais conceituados do mundo, tocando no Festival Fort en Jazz, em 2009, na França (Foto: Otourly/ Wikipedia).

Ainda que as letras não tenham sido traduzidas, inevitavelmente surgiram léxicons tentando explicar o idioma, especialmente por grupos de fãs.
O melhor mesmo é escutar e gostar ou não. Não vou nem colocar links na matéria. Vão ao youtube e digitem Magma band; vão surgir centenas de links para os discos deles, assim como para apresentações ao vivo – muitas em péssima qualidade – tanto nos anos 1970 quanto em reuniões mais recentes.
Para quem gosta de sair do óbvio, é um prato cheio.


Música Celestial
O tipo de música tocada pelo Magma foi chamado de Zeuhl. Na linguagem do planeta Kobaïa, Zeuhl significa “celestial”.
E a influência da banda foi tamanha que inúmeros outros grupos seguiram caminhos semelhantes. Entre outros: Zao, Dün e Art Zoyd, na França; Univers Zero, na Bélgica; Ruins e Koenji Hyakkei, no Japão (também com a elaboração de uma linguagem semelhante ao kobaïano); Runaway Totem, na Itália; Worsa, no Brasil; No Shoulders, nos Estados Unidos.