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A CIDADE E A CIDADE

Livros/Lançamentos

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data15/01/2015
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O livro de China Miéville mistura policial com ficção científica de alta qualidade.

Quando algum escritor, ou grupo de escritores, com ou sem relação entre eles, surge no mercado literário com algo que seja muito ou ligeiramente diferente do que até então vinha sendo publicado, é quase praticamente certo que alguém – geralmente um gênio do marketing – vai inventar um termo que coloque todos os gatos no mesmo saco. O termo não é necessariamente uma definição de estilos ou tendências – na verdade, raramente é assim.
Um termo que surgiu nos anos 1990 é o “new weird”, algo como o “novo estranho”. Assim como o “new wave” da ficção científica dos anos 1960, não significa grande coisa, se é que significa algo. Mas a necessidade de compartimentar é sempre grande; lembram no que se tornaram as prateleiras das lojas de CDs lá pelos anos 1980? Algum de vocês estava vivo? Ouvia música? Então, me respondam o que diabos significa “world music”? É mais ou menos como a atual e aparentemente interminável praga dos livros para “jovens adultos”.
Um dos autores mais badalados da literatura apelidada de “new weird” é o inglês China Miéville, cujo livro A Cidade e a Cidade está sendo publicado no Brasil pela Boitempo Editorial.
Confesso que ataquei o livro com certa desconfiança. Já conhecia o autor, mais ou menos, de seu livro Rei Rato, publicado no Brasil em 2011 pela finada Tarja Editorial. Disse mais ou menos porque larguei a leitura lá pela página 100 (de 400), bastante desinteressado e entediado.
Com A Cidade e a Cidade, o caso foi exatamente o oposto: o livro foi rapidamente devorado e o tédio não deu as caras em momento algum.
Ele mistura romance policial com ficção científica, seguindo a investigação do inspetor Tyador Borlú, morador da cidade de Beszel (o nome original tem um acento no “z”), tentando descobrir quem foi o responsável pela morte de uma mulher cujo corpo foi largado num terreno baldio.
Até aí, tudo normal. Só que Beszel é uma cidade que existe no mesmo espaço que Ul Qoma. Elas não são vizinhas, mas se interpõem. Os habitantes de cada cidade são educados a “desverem” os habitantes da outra – e objetos, prédios, carros, ruas, etc. Em alguns espaços, elas são inteiramente uma ou outra cidade; em outros, a confusão se instala.
Por alguma razão jamais explicada, existe uma autoridade suprema, a Brecha, que ninguém sabe quem é, que fiscaliza qualquer violação da ordem de “não ver” a outra cidade; os crimes de “brecha”, ou seja, de pessoas que atravessam de uma cidade para outra, ou que apenas observam alguém na outra cidade, são punidos de alguma forma desconhecida. As autoridades da Brecha simplesmente aparecem e levam-nas embora.
As investigações do inspetor Borlú apontam evidência de que o corpo veio de Ul Qoma, de modo que ele precisa atravessar para dar sequência ao seu trabalho, cada vez mais complicado com o surgimento de uma possível terceira força – outra cidade – operando em segredo e provocando novas mortes.
Livro excelente, sem soluções fáceis para os problemas apresentados, se é que existem soluções.
E um destaque final, mas não menos importante, para a tradução de Fábio Fernandes, já conhecido dos leitores do gênero e fãs da literatura fantástica por excelentes traduções. O trabalho, como ele explica em nota ao final do livro, foi dificultado pela intenção de China Miéville em escrever o que Fernandes chamou de “um bom texto ruim – mas de propósito”. E isso porque “China Miéville escreve como se Borlú falasse em seu idioma, o besz, traduzido para o inglês por ele próprio de maneira inculta e um pouco tosca”. O que a editora talvez poderia ter feito era colocar a nota do tradutor “antes” do texto do livro, uma vez que não traz qualquer spoiler. Não se trata de facilitar a leitura, porque aparentemente essa não é a intenção do autor, mas de orientar o leitor.
A editora ainda promete a publicação de mais três romances de China Miéville: Perdido Street Station; The Scar; Iron Council. São histórias independentes, porém situadas no mesmo mundo, conhecido como Bas-Lag, no qual coexistem a magia e uma tecnologia semelhante às dos romances steampunk, assim como diversas raças inteligentes.

A cidade e a cidade (The city and the city, 2009)
China Miéville
292 páginas
Boitempo Editorial