Josh Malerman parece ter facilidade em imaginar histórias com enredo e ambientação originais e criativos. Pelo menos foi assim com Caixa de Pássaros e Uma Casa no Fundo de um Lago, e continuou com Inspeção.
O cenário é a Torre, um edifício que existe em meio a uma floresta de pinheiros, circundado por um jardim, e que abriga os 26 Meninos do Alfabeto, ou melhor, os 24 Meninos, já que dois deles, o A e o Z, já foram enviados para o Canto.
Os meninos criados nesse ambiente fechado não têm nomes, mas apenas letras, uma das muitas formas de isolamento utilizados pelo P.A.I. e pela Parentalidade. Tirar seus nomes parece uma forma de lhes tirar a personalidade, facilitando a moldagem imposta pelo P.A.I., de acordo com seu projeto alucinado.
A ideia geral é a de que os jovens sejam criados isolados da sociedade, sem qualquer contato ou mesmo o conhecimento da existência de pessoas do sexo feminino, meninas ou mulheres. Segundo o P.A.I., também conhecido no mundo exterior como Richard, o contato entre os sexos diminui a capacidade de concentração dos meninos, e das meninas também, impedindo que atinjam suas capacidades máximas.
Para manter os jovens focados em seus estudos e pleno desenvolvimento intelectual, é montada uma imensa rede de mentiras e ilusões, entre elas a ideia de que os meninos nascem de árvores e que a única segurança possível está dentro dos limites da Torre. Livros especiais são elaborados por um escritor medíocre, sempre com histórias visando o desenvolvimento do pensamento científico das crianças. O mesmo ocorre com os filmes, apresentados uma vez por ano.
E tem o Canto, o local misterioso, localizado no Porão, um local vetado às crianças, e para onde vão aquelas que não passaram na Inspeção, um exame realizado diariamente por meio do qual o P.A.I. e seus ajudantes detectam se a criança está se desviando do programa elaborado por eles.
O conceito alucinado de Richard não implica em manter apenas os meninos isolados, mas também as meninas, as Meninas do Abecedário, que estão em outra Torre, lideradas pela M.Ã.E., seguindo a mesma programação dos meninos. E é a curiosidade de uma delas, K, que vai dar início aos eventos que ocupam a segunda metade do livro, e que levarão a um final violento.
Como em outros livros do autor, parece sempre existir críticas sociais nas entrelinhas e ideias que podem ser interpretadas de várias maneiras. Talvez a interpretação mais evidente diga respeito às relações familiares e como elas podem ser destrutivas, como podem prejudicar o desenvolvimento emocional das crianças.
E também podemos ver como a ignorância pode criar situações absurdas que põem a vida das pessoas em perigo. A ignorância, no caso, é a teoria absurda do P.A.I. e da M.Ã.E., sem qualquer embasamento científico, e tornada real por meio de um aparato com características nazistas, envolvendo a contratação de pessoas com antecedentes criminais e mais do que dispostas a abrir mão de suas vidas no mundo exterior por pagamentos gordos.
Os momentos finais da história, em que a violência toma conta das ações, parecem ter sido resolvidos rápido demais pelo autor, com informações vitais sendo aceitas pelas crianças sem grande dificuldade, apesar dos 12 anos em que viveram sendo modelados para ter determinadas atitudes e pensamentos. Ainda assim, são cenas bem fortes, e narradas com detalhes sangrentos.
INSPEÇÃO (Inspection, 2019)
Josh Malerman
416 páginas
Ed. Intrínseca (2019)