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DESTRUIÇÕES CÓSMICAS E TERRESTRES

ESPECIAIS/VE FIM DO MUNDO

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data15/05/2015
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As ameaças ao planeta podem vir do espaço, na forma de cometas ou meteoros que podem extinguir a vida, ou devido à insensatez dos malditos terráqueos.

Em tempos mais recentes, aumentou a preocupação dos cientistas e, consequentemente, dos governos terráqueos com possíveis perigos vindos do espaço, em particular aqueles que podem provocar o que é chamado de “evento de impacto”.
Mas os estudos cada vez mais detalhados de nosso planeta também alertam para eventos terrestres que podem provocar o fim da espécie, ou pelo menos transformar a Terra de tal maneira que a civilização pode ser tremendamente afetada.
Claro que não são preocupações recentes; fazem parte de praticamente todas as tradições religiosas do planeta, em todos os tempos, e surgem em mitologias das mais diferentes culturas ao longo da história humana no planeta. Às vezes, originadas pela simples observação, uma vez que objetos sempre caíram do céu, provocando mais ou menos problemas, da mesma forma como sempre existiram terremotos e vulcões explodindo, muitas vezes originando lendas e mitologias complexas. Para não falar de problemas ecológicos, como os que alguns arqueólogos e historiadores entendem que podem ter provocado o declínio da civilização maia, esgotando os recursos de seu meio ambiente.

Com o impacto que esses eventos têm em nossa cultura, é inevitável que, em tempos modernos, também tenham originado inúmeras histórias de ficção científica, a começar com H.G. Wells, em seu conto A Estrela (The Star, 1897. No Brasil, publicado na coletânea Maravilhas da Ficção Científica, da Ed. Cultrix).
Os problemas começam quando um objeto surge no sistema solar, alterando a órbita de Netuno. Os astrônomos dizem que se trata de uma estrela, que também afeta Júpiter e continua a ser atraída para o centro de nosso sistema solar, tanto podendo atingir a Terra como passar muito próxima, com consequências cataclísmicas. O gelo da superfície terrestre descongela, provocando inundações, a crosta é afetada provocando o surgimento de rios de lava, ondas gigantes varrem o planeta e a população humana é arrasada, deixando apenas uns poucos sobreviventes.

Outra obra bastante conhecida, ainda que não aqui no Brasil, é The Purple Cloud (1901), de Matthew Phipps Shiel, que foi a base para o filme O Diabo, A Carne e o Mundo (1959).
Em seu livro O Horror Sobrenatural na Literatura (Supernatural Horror in Literature, 1927. Francisco Alves Ed., 1987), H.P. Lovrecraft fala sobre o livro, levantando suas virtudes e problemas. Ele explica que “No romance A Nuvem Púrpura, Shiel descreve com tremenda força uma praga que vem do Ártico para destruir a humanidade, e que por algum tempo parece ter deixado no planeta um único habitante. As sensações do sobrevivente solitário à medida que ele se dá conta da situação e vagueia pelas cidades do mundo povoadas de mortos e repletas de tesouros como seu senhor absoluto são descritas com uma habilidade e maestria que quase se diria majestosa. Infelizmente, a segunda metade do livro, com seu elemento romântico convencional, resulta numa verdadeira decepção”.

Arthur Conan Doyle também apresentou uma ameaça cósmica ao planeta numa de suas histórias com o personagem professor Challenger, não tão conhecido quanto seu Sherlock Holmes, mas também muito interessante. A história é A Nuvem da Morte (The Poison Belt, 1913. Ed. Nova Alexandria), também conhecida como A Nuvem Envenenada (na edição portuguesa e na edição da Newton Compton Brasil).
O professor Challenger percebe que a Terra está entrando num cinturão de algum tipo de gás tóxico que, segundo ele entende, irá provocar o fim da humanidade. Na verdade, isso não ocorre, uma vez que os efeitos negativos nas pessoas são passageiros, mas ainda assim originam uma série de desastres e mortes.

Algumas das melhores histórias do gênero foram escritas por J.G. Ballard (1930-2009) nos anos 1960: Cataclismo Solar; Mundo em Chamas; O Mundo de Cristal.
Em Cataclismo Solar (The Drowned World, 1962. Coleção Argonauta 109. Portugal) ele apresenta a Terra sofrendo com uma instabilidade do Sol, provocando violentas e demoradas tempestades. O planeta perde suas defesas contra a radiação solar, aumentando a temperatura a níveis insuportáveis, obrigando a população a refugiar-se nos círculos polares. A radiação acelera as mutações nas espécies vegetais e animais, o calor derrete as calotas polares e inunda cidades em todo o planeta. Posteriormente, um cientista percebe que os humanos sobreviventes estão mudando, com o avanço das florestas e dos pântanos e o retorno da vida ao que era no período Triássico.
O livro traz uma série de abordagens e preocupações que Ballard apresentaria nos livros seguintes, sempre apresentando uma transformação brusca do planeta, acompanhada por novas posturas psicológicas dos sobreviventes, com a natureza recuperando o espaço que havia perdido para a sociedade industrializada.
E aqui, como em outros trabalhos seus, a narrativa cria uma atmosfera de sonho, ou de pesadelo, quase um ambiente surrealista, com o ser humano se encontrando com seu maior terror: a impossibilidade de continuação da vida. O resultado é que as pessoas não têm mais objetivos, não têm mais interesse em continuar vivendo e realizando coisas objetivas e concretas.
A impressão é que Ballard não coloca o ser humano como o responsável direto pelo fim, pela destruição, e sim a própria natureza. Nesse cenário, o ser humano é pequeno demais, até mesmo para causar a destruição do planeta. É como se ocorresse uma revolta generalizada da natureza para tirar um perigoso animal predador de seu caminho e impedir o fim do planeta. Refletindo o pensamento de movimentos ecológicos anteriores, e antecipando os modernos movimentos ecológicos, Ballard mostra que o maior erro da humanidade em sua caminhada civilizatória reside, mais do que tudo, na incompreensão do planeta, no fato de não termos entendido que a Terra não é um objeto, mas um ser vivo que, como nós, precisa de atenção e cuidados. E mostra que nossa existência no planeta pode ser curta.
O trabalho de J.G. Ballard esteve associado com o que foi chamado de new wave da ficção científica, que não era exatamente um movimento organizado, mas uma série de autores e histórias que, nos anos 1960 e 70, davam mais ênfase às ciências como psicologia, antropologia, sociologia, ciências políticas e outras, e também trabalhavam mais com a experimentação de novas formas e conteúdos narrativos.

Em O Mundo de Cristal (The Crystal World, 1966. Argonauta 115; Caminho FC 23. Portugal), o clima de alucinação é novamente desenvolvido por Ballard. Trata-se de um de seus melhores livros, com a história do mundo que começa a se cristalizar a partir de eventos que têm origem em algum lugar do espaço e que envolvem a própria natureza do tempo. A chamada “doença do tempo” que ataca a Terra pode ter relação com alterações na estrutura do universo, e provoca a cristalização de todas as coisas, vivas ou não.
A ação centra-se numa selva de Camarões, na África, onde trabalha um médico especializado em leprosos. Ele precisa penetrar na selva para encontrar alguns colegas, e é então que a narrativa de Ballard ganha força, parecendo uma mistura de conto de fadas e história de terror. É um dos melhores momentos das histórias sobre o fim do mundo.

O conceito de uma alteração brutal na natureza do tempo, como a que foi apresentada em O Mundo de Cristal, também aparece em Regresso ao Passado (Counter-Clock World, 1967. Panorama 8. Portugal), do excepcional escritor Philip K. Dick, que dá uma bola fora, com um livro mal resolvido, ainda que partindo de uma ideia interessante. Ele imaginou que, após uma Quarta Guerra Mundial, o mundo ficou sob o efeito de um “antitempo”. Como resultado, as pessoas começam a renascer saindo de suas sepulturas nos cemitérios, e rejuvenescem até retornarem ao estado de não existência. Quando bebês, precisam novamente entrar no útero de uma mulher, até desaparecerem. Ou seja: o tempo corre para trás. Mas o recurso é mal trabalhado no livro e passa a ser um fator secundário na trama, e as complicações que se estabeleceriam num mundo como esse são deixadas de lado.

O outro livro de Ballard, Mundo em Chamas (The Burning World, 1964. Ed. Bruguera), traz outro cataclismo planetário, porém dessa vez os problemas começam devido à insensatez dos humanos. Também conhecida como The Drought, a história mostra como a poluição criou uma película sobre os oceanos, impedindo a evaporação e transformando o planeta num imenso deserto.
Mais uma vez Ballard desenvolve muito bem sua narrativa e os personagens, confusos diante das mudanças pelas quais a Terra está passando e da dramática alteração de suas vidas, apavorados com o possível fim do planeta e sem quaisquer perspectivas com relação ao futuro.
A primeira parte do livro mostra o mundo em pleno processo de desintegração, com as pessoas abandonando as cidades à procura do mar, onde existem imensas usinas para reciclagem da água salgada. Os que ficam nas cidades perambulam sem saber muito bem o que está acontecendo ou o que deverão fazer em seguida.
A segunda parte avança alguns anos, com alguns sobreviventes morando em meio aos cristais de sal, nas imensas salinas que estão tomando o lugar do mar; outros, em acampamentos governados com rigidez; outros ainda tentando manter-se isolados. Na terceira parte, alguns sobreviventes retornam à cidade, tentando retomar a vida que existia antes, ou pelo menos algo próximo disso.
Mais uma vez, Ballard utiliza o conceito do “tempo parado”. Os personagens não estão literalmente cristalizados, mas vivem num ambiente cristalizado, assim como suas vidas. O mundo passa a ser definido pela imobilidade e pela perda da individualidade, situação oposta ao antigo conceito de progresso que ditava os rumos da civilização humana no planeta. Não há futuro para o qual olhar, e nem o presente traz quaisquer perspectivas senão uma tentativa contínua e imutável de sobrevivência. Assim, os personagens vivem do passado, de suas faltas e de seus erros.
O retorno final à cidade surge como a quebra dessa imobilidade, mesmo que os personagens saibam que isso pode significar a morte. Eles lutam para reencontrar o futuro e o progresso da única maneira que lhes é possível no momento, ou seja, saindo da cristalização, da imobilidade.


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