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Mundos Paralelos e de Magia

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data01/01/2006
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A escritora Diana Wynne Jones é conhecida pela série de livros Os Mundos de Crestomanci, já lançados no Brasil pela Geração Editorial. Conversamos com a autora inglesa para saber mais sobre seu trabalho, seus personagens e os mundos de magia que ela imagi

Mundos Paralelos e de Magia

A escritora Diana Wynne Jones é conhecida pela série de livros Os Mundos de Crestomanci, já lançados no Brasil pela Geração Editorial. Conversamos com a autora inglesa para saber mais sobre seu trabalho, seus personagens e os mundos de magia que ela imaginou.

Gilberto Schoereder

A escritora inglesa Diana Wynne Jones disse acreditar que escreve esse tipo de livros porque, quando ela tinha cinco anos de idade, o mundo repentinamente ficou louco. Nascida em 1934, em agosto de 1939 seu pai a levou junto com sua irmã para morar com os avós em Gales, porque "ia acontecer uma guerra". Uma época estranha em que ela não entendia muitas coisas; como, por exemplo, distinguir alemães de germes ("germans from germs", no original), que pareciam inspirar o mesmo tipo de horror nas mães. Ou quando, na escola, ela se apavorava quando um professor ameaçador dizia para todas as crianças que fossem fazer sua oratória (elocution) que se levantassem e fossem para a parede. Ela confundia a palavra com execução (execution).
Wynne Jones também disse que escreve porque ela gosta disso mais do que qualquer outra coisa. E, desde 1972, quando começou a escrever profissionalmente, conseguiu construir uma reputação mais do que merecida, especialmente no que se refere à literatura de fantasia ou fantástica.
Sua série de histórias mais conhecida é Os Mundos de Crestomanci, que tem cinco livros publicados no Brasil pela Geração Editorial: Vida Encantada; As Vidas de Christopher Chant; Os Magos de Caprona; A Semana dos Bruxos; Mil Mágicas.

Crestomanci é um mago com nove vidas; sua tarefa é assegurar que os magos dos diversos mundos que existem paralelamente ao nosso não usem seus poderes de forma errada. O primeiro livro, Vida Encantada, apresenta os personagens Gato e sua irmã Gwendolyn, dois órfãos que vão morar no castelo Crestomanci. Lá, precisam aprender não apenas a se comportar, mas a utilizar seus poderes. Tudo indica que a menina é uma bruxa poderosa, mas as coisas não são tão simples nesse universo. No segundo livro, As Vidas de Christopher Chant, a história se passa 25 anos antes dos acontecimentos originais, e mostra as origens da magia e do poder do personagem central que, desde cedo, descobre que é capaz de deixar seu corpo à noite e viajar para outros mundos. O terceiro livro, Os Magos de Caprona, situa-se na cidade de Caprona, Itália, e gira em torno de duas famílias inimigas de magos que se vêem diante de uma ameaça: um mago poderoso e terrível que deseja acabar com a cidade.
O quarto livro da série é A Semana dos Bruxos, com a história passada na Londres atual, mas num universo paralelo muito parecido com o nosso, não fosse pelo fato de que as bruxas se encontram em todo lado e são caçadas por inquisidores. A autora ainda apresenta uma escola chamada Larwood House e a sala 6B, na qual alguém é um bruxo, e deve ser descoberto. O quinto livro, Mil Mágicas, traz histórias curtas e sensacionais situadas no mundo paralelo da magia.

Já tendo confessado que não gosta muito de pesquisar para escrever seus livros, ela diz que suas ideias surgem principalmente de coisas que as pessoas dizem ou simplesmente coisas que acontecem Com o personagem Crestomanci foi mais ou menos assim. Wynne Jones diz que não baseou o personagem em alguém em particular, mas ele apenas apareceu, já totalmente formado, sem que ela soubesse de onde ele veio. Ela explica que é como quando se tem um sonho extraordinário e você tenta pensar como aquilo foi parar na sua cabeça. "É da mesma forma quando você está escrevendo um livro. É quase como se o livro escrevesse a si mesmo".
Suas primeiras tentativas de livros não foram publicadas. "Demorou cerca de dez anos", ela explica. "Quando minhas crianças eram pequenas, eu realmente não fiz muita coisa, porque você não tem o uso do cérebro. Quando elas começaram a ir para a escola, eu me sentei e comecei a tentar". Ela teve problemas porque, na época, os editores tinham regras estritas e estranhas. "De certa forma, foi minha culpa, porque eu estava determinada a quebrar muitas dessas regras". Ela começou a escrever com o livro Wilkins' Tooth, em 1972. E, em 1975, já escrevia o primeiro livro da série Crestomanci.
Jones disse que não escreve pensando num público específico, mas que escreve particularmente os livros que não teve durante sua infância. Mais que isso, também descobriu que não só o público infanto-juvenil se interessou por suas obras, mas o público adulto também. Aliás, um fenômeno que se verifica com vários escritores de livros supostamente voltados para esse público mais jovem.
Escritora consagrada, tendo recebido alguns dos prêmios mais cobiçados do mundo na linha de literatura infanto-juvenil, Diana Wynne Jones não se dá por contente. Ela diz que cada livro é uma experiência, uma tentativa de escrever o livro ideal, o livro que seus filhos vão gostar; mas, apesar de continuar tentando, ainda não conseguiu chegar a isso. A maioria de seus leitores certamente não concorda. Quem ler Os Mundos de Crestomanci vai encontrar mais do que simples histórias de fantasia para crianças, mas uma narrativa excelente, cativante e complexa. E, como ela mesma diz a seguir – na entrevista que fizemos com a escritora por e-mail – são histórias que também mereciam um pouco mais de atenção dos grandes estúdios de cinema. Ninguém ia se arrepender.


Em algumas de suas biografias é dito que a senhora foi aluna de J.R.R. Tolkien e de C. S. Lewis.
Eu nunca conheci J.R.R. Tolkien nem C.S. Lewis. Quando eu era apenas uma estudante de graduação na Universidade de Oxford, nos anos 1950, Tolkien era um professor renomado e Lewis um catedrático igualmente eminente no Magdalen College. Assisti a palestras de ambos. Mas enquanto Lewis falava no maior auditório disponível, e com gente assistindo em pé, Tolkien falou no menor auditório disponível, apenas para mim e outra pessoa. Os demais estudantes nem se deram ao trabalho de aparecer, porque Tolkien era difícil de se ouvir. Ele falou de costas para o público e aos murmúrios. Segundo rumores, na verdade ele tentava desencorajar a audiência para que ele pudesse usar seu tempo para escrever O Senhor dos Anéis. Por outro lado, Lewis tinha uma voz volumosa e vibrante, e podia tornar interessante o assunto mais banal.
Eu achei ambos igualmente interessantes; Lewis falando sobre modos medievais de pensar, e Tolkien sobre a natureza da narrativa.

A obra deles a inspirou na elaboração de livros de fantasia, como os da série Crestomanci?
Inspirar diretamente, não. Inspiração é uma coisa estranha. Naquela época não se valorizava qualquer tipo de fantasia. Muitos acadêmicos eminentes falavam causticamente de Tolkien e Lewis, dizendo que eles desperdiçavam seu tempo com contos de fadas quando deveriam estar escrevendo ensaios cultos. O que realmente foi minha inspiração era o fato de dois homens tão talentosos sentirem que escrever fantasia valia o tempo e o esforço deles. Isso liberou a mim e a outros para também escrever fantasia.

A fição científica, gênero pelo qual C.S. Lewis também navegou, tem algum atrativo para a senhora?
Ah, sim, adoro ficção científica. Meus filhos me apresentaram a ela quando tinham doze e dez anos, e nós costumávamos lê-la e discuti-la fervorosamente. A única razão de eu mesma não escrever FC é eu não gostar de naves espaciais – me dão claustrofobia. Mas gosto muito de robôs. Escrevi várias histórias sobre robôs.

Qual foi a inspiração para a elaboração dos livros da série Crestomanci?
É difícil dizer qual foi. a inspiração da série Crestomanci. Se formos bem ao começo de tudo, suponho que tivesse sido a noção de mundos alternativos. Como você sabe, a história de cada livro se passa em um mundo que é a versão alternativa do nosso, nunca o mesmo. No começo, a ideia de que se pode chegar a outra Terra foi muito usada por autores de ficção científica. Mas na época em que escrevi a série, os físicos começavam a considerar que, de fato, tais mundos pudessem existir. E pensei: "que ótimol". E comecei a escrever os livros.

Quais são os seus autores preferidos na literatura fantástica? A senhora entende que existem muitos bons autores hoje em dia, ou o gênero está em decadência? E a diferença entre a literatura e o cinema do gênero, é muito grande?
Hoje há muitos autores de fantasia realmente bons. De fato, eu diria que o cinema apenas começou a alcançar a literatura. Os produtores dos filmes tiveram que esperar até poderem fazer todos os efeitos especiais, ao passo que os escritores podiam simplesmente escrever. Entre muitos bons autores estão Lois McMaster Bujold, Robin McKinley, Peter Dickinson, Terry Pratchett e tantos mais. O gênero está crescendo muito.

Como é feita a pesquisa para a elaboração dos livros? Lemos que a senhora não gosta muito dessa parte do trabalho.
A beleza de se escrever sobre magia num mundo alternativo é que você não precisa pesquisar muito. Tenho como objetivo saber o que puder sobre a maior quantidade de assuntos, mas nunca tive a intenção de pesquisar especificamente para preparar um livro. Não é assim que minha cabeça funciona. Quando preciso de fatos, eu os procuro na minha coleção, levemente excêntrica, de livros de referência. Por estranho que pareça, a maioria dos livros de referência que eu mais uso são dicionários de nomes e seus significados – primeiro prenomes, depois sobrenomes e nomes de lugares. O nome certo no lugar certo me dá uma tremenda inspiração.


Lemos numa entrevista a senhora afirmar que nunca houve uma aproximação de produtoras para transformar Crestomanci em filme, ou mesmo em minissérie para a TV. Essa situação coninua? Por que a senhora acha que o universo de fantasia dos livros Crestomanci não chamou a atenção dos produtores ou di retores, enquanto atrai tanto o público leitor?
Não tenho a menor ideia de por que os livros Crestomanci não atraíram as grandes produtoras. Fui procurada muitas vezes por pequenos grupos, mas eles nunca poderiam juntar dinheiro suficiente para fazer um filme. Existe muito entusiasmo, mas sem capital.

Diz-se também que a senhora foi professora de J.K. Rowling. Chegamos a ler algumas críticas de livros de Rowling em que se dizia que ela tinha se inspirado nos livros da série Crestomanci. O que a senhora tem a dizer sobre isso?
Não, eu não ensinei J.K. Rowling; nunca fui professora. Mas pode ser que quando Rowling era criança, ela tenha lido meus livros – afinal, faz tempo que estou no ramo – e, nesse caso, ela deve ter gostado deles o bastante para que tivessem uma repercussão em seus próprios livros.

Qual é o seu método de criação e de trabalho? As histórias surgem em sua mente já prontas, ou precisam ser elaboradas aos poucos? A senhora costuma definir personagens, locações e cenas antes de começar a escrever, ou as coisas vão se ajustando à medida que a história se desenvolve?
Os livros vêm a mim de muitas formas – não há um método único. Às vezes, o que primeiro me vem à mente é um conjunto de personagens; às vezes, uma única cena; outras vezes, o contorno geral da história. E sempre acontece de eu ficar parada nessa fase inicial, enquanto mais partes do livro vêm se juntar às primeiras noções. Isso é lento e sofrido, e preciso ser paciente. Paciência não é uma virtude minha. Mas não vejo sentido em começar a escrever antes de eu ter o começo, uma parte muito grande do meio e pelo menos uma ideia vaga do final. Se eu tiver qualquer coisa mais definida do que isso, a história não tem espaço algum para se mover e respirar. Como se vê, é um negócio muito delicado.