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Robô Também É Gente

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data01/01/2001
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Robôs e androides estão entre os personagens mais antigos do cinema de ficção científica.

Robô Também é Gente

Eles fazem parte do cinema há mais de 100 anos. São maus, são bondosos, querem dominar, são dominados, têm aparência humana ou assemelham-se a torradeiras gigantes com braços. Já foram chamados de homens de lata, autômatos, homens mecânicos, robôs, androides ou malditas latas de sardinha, e continuam a despertar o interesse de cineastas e do público.

No século em que as máquinas invadiram a vida diária de cada cidadão, a elaboração de homens mecânicos ou robôs tornou-se quase uma obsessão do cinema fantástico. É verdade que nem todos esses seres queriam apenas obter um coração, como o Homem de Lata de O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939), que desejava ser mais humano, assim como o personagem central de O Homem Bicentenário, com Robin Williams.
Essa possibilidade de humanização das máquinas é um dos principais ingredientes do tema, geralmente provocando a simpatia do público. Mas o medo de que as máquinas tomem o lugar dos seres humanos está sempre presente e deu origem a um número ainda maior de filmes. E, quanto mais os seres mecânicos se aproximam da aparência humana, maior é o temor.
Nos últimos tempos, as histórias têm apresentado principalmente androides, iguais ou quase aos humanos, superdesenvolvidos, fortões e distribuindo sopapos para todo lado. Mas os autômatos já eram uma das principais atrações nos primeiros anos do cinema. Georges Méliès, responsável pelo clássico Viagem à Lua (1902), dirigiu e produziu dois curta-metragens sobre o tema: Gugusse et l'Automate (1897) e Coppélia ou la Poupée Animé (1900). O segundo foi baseado no balé Coppélia (1870), de Delibes, baseado na história O Homem de Areia (The Sandman, 1815), do escritor E.T.A. Hoffmann (publicado no Brasil no livro O Castelo Mal-Assombrado), uma das principais influências da literatura fantástica moderna. A história de Hoffmann ainda seria utilizada numa série de curtas da época como The Doll Maker´s Daughter (1906), An Animated Doll (1908) e em três versões de Hoffmanns Erzaehlungen (1911, 1915 e 1923).
No cinema norte-americano, a primeira vez que um autômato surgiu nas telas foi em The Mechanical Statue and the Ingenious Servant, em 1907, ainda apresentando a ideia inocente que se tinha na época e que misturava de forma um tanto aleatória os possíveis progressos do século que se iniciava e um humor debochado.

Cientistas Loucos
O primeiro "homem mecânico" tecnicamente melhor desenvolvido do cinema foi, na verdade, uma mulher. Em Metrópolis (1926), o clássico de Fritz Lang, o cientista Rothwang constrói uma réplica robô de Maria, uma criatura amada pelas classes trabalhadoras e que as incita à revolta. Ela é apresentada como um ser ruim e, com raras exceções, essa foi a visão que o cinema teve dos autômatos nos anos seguintes. É assim em Der Herr der Welt (1934), em que um cientista louco cria robôs para dominar o mundo; O Império Fantasma (The Phantom Empire, 1935), seriado americano com Gene Autry encontrando a civilização de Murânia e seus robôs escravos; A Sombra Destemida (The Phantom Creeps, 1939), com Bela Lugosi como o cientista doidão que usa robôs para dominar o mundo; The Mysterious Dr. Satan (1940), outro seriado com um cientista sem imaginação usando robôs para dominar adivinhem o quê?; ou The Monster and the Ape (1945), seriado com cientista, robô e mais um macaco assassino.


O Império Fantasma, com seu robô semelhante a uma lata.

A exceção no período talvez seja o filme soviético Gibel Sensaty (1935), até onde se sabe inédito no Brasil. Trata-se de uma adaptação da famosa peça R.U.R. (1920) do escritor tcheco Karel Capek, na qual pela primeira vez na história foi utilizado o termo "robô" para definir seres artificialmente construídos. No caso, eles realizam o trabalho dos humanos, são fortes, inteligentes, mas não têm sentimentos. Esse tipo de visão dos "homens de lata" também iria marcar muito os seres mecânicos ao longo de sua história.


Montagem da peça R.U.R. em Nova York, nos anos 1920.

Eles Vivem
O primeiro robô realmente popular do cinema era totalmente inofensivo e apareceu no clássico O Planeta Proibido (Forbidden Planet, 1956). Respondendo pelo singelo nome de Robby, ele ajudava o professor Morbius (Walter Pidgeon) e sua deliciosa filha de minissaia, Alta (Anne Francis), a explorar o planeta Altair IV. Ele tem a aparência de alguns dos primeiros robôs de Isaac Asimov: robusto, forte, veloz e servil, incapaz de causar mal aos seres humanos.


O robô Robby em O Planeta Proibido (MGM).

O sucesso de Robby junto ao público fez com que ele voltasse às telas no ano seguinte em O Menino Invisível (The Invisible Boy). Robby tem o poder de tornar um garoto invisível, mas como os produtores acharam que ele era bonzinho demais, deram um jeito para que ele fosse controlado por um computador que pretendia dominar o mundo.


Robby volta a aparecer em O Menino Invisível (MGM).

Nos anos 1950 e 60, a literatura de ficção científica já havia produzido inúmeras histórias que não mais se restringiam a esse aspecto maligno dos robôs e à fixação dos cientistas loucos. Mas por alguma razão o cinema continuou a realçar o perigo potencial de seres tão poderosos e o medo que naturalmente causam nas pessoas. O cinema mexicano era pródigo nesse aspecto, com produções classe Z que não chegaram ao Brasil, e com títulos engraçados como La Momia Azteca versus El Robot Humano (1957), Los Automatas de la Muerte (1960), Neutron Contra el Dr. Caronte (1960) ou Las Luchadoras Contra el Robot Asesino (1969).
Hollywood não ficou muito atrás. Em O Monstro de Nova York (The Colossus of New York, 1958), a história alucinada refere-se a um cientista que morre e tem seu cérebro transplantado num robô gigante que dispara raios pelos olhos. E o que dizer de Kiss Me Quick! (1964), que mais parece o título de uma canção de Elvis Presley, misturando aliens e mulheres androides seminuas?


O Monstro de Nova York (Paramount).

Os diretores Norman Taurog e Mario Bava, com algum crédito em sua bagagem cinematográfica, tentaram fazer um pouco de humor com o tema respectivamente com A Máquina de Fazer Biquinis (Dr. Goldfoot and the Bikini Machine, 1965) e Bonecas Explosivas (Dr. Goldfoot and the Girl Bombs, 1966), com o fantástico Vincent Price como o doutor alucinado que constrói mulheres robô como parte do plano de conquistar o planeta. Não funcionou. No primeiro filme trabalham até mesmo Frankie Avalon e Annette Funicello, o rei e a rainha da babaquice praiana dos anos 60.


Vincent Price em A Máquina de Fazer Biquinis (AIP).

Mudar o Rumo
Uma certa criatividade ficou por conta de A Louca Missão do Dr. Schaeffer (The President's Analyst, 1967), com James Coburn como o psicanalista do presidente dos EUA, que se envolve numa trama da Companhia Telefônica para dominar o mundo e que inclui a utilização de robôs.
Na produção inglesa Grite, Grite Outra Vez (Scream and Scream Again, 1969) a paranoia com os robôs e androides também foi utilizada com resultado mais efetivo. O filme reúne os três grandes nomes do fantástico inglês – Vincent Price, Peter Cushing e Christopher Lee – e tornou-se um cult com sua história exagerada que envolve a infiltração de seres artificiais em pontos chave do governo mundial.


Grite, Grite Outra Vez (AIP).

O melhor da época, a julgar pelas críticas, ficou para os desconhecidos, e inéditos no Brasil, Creation of the Humanoids (1962) e o curta Sins of the Fleshapoids (1965). O primeiro situa-se no século 23, após uma guerra que arruinou o planeta, com os robôs sendo utilizados para reconstruir as cidades e apresentados como os únicos capazes de darem continuidade à raça humana que se tornou estéril. O segundo vai mais longe, um milhão de anos no futuro, época em que a humanidade perdeu sua capacidade de se interessar pela vida. Os robôs são os únicos capazes de manter o espírito humano.


Creation of the Humanoids (Genie Prod.).

Bem menos preocupadas com o futuro da humanidade, mas muito bem construídas, são as máquinas com aparência humana de Westworld, Onde Ninguém Tem Alma (Westworld, 1973), que para serem perfeitas só precisariam parar de matar seres humanos. Mas é difícil largar o vício. Apesar de ser um bom filme, ele segue a linha mais comum do gênero, considerando os possíveis desacertos das máquinas e os problemas que podem causar aos seres humanos, no momento em que o androide Yul Brynner entra em colapso e começa a atirar em todo mundo.


Yul Brynner, como o fumegante androide de Westworld (MGM).

Esse aspecto negativo da utilização de homens mecânicos ficou ainda mais evidenciado na sequência Ano 2003 – Operação Terra (Futureworld, 1976), no qual ficamos sabendo que um cientista pretendia substituir os líderes mundiais por robôs a serviço do Mal. Dizem até que ele conseguiu.


Peter Fonda, em Ano 2003 - Operação Terra (AIP).

Quase Humanos
Os seres mecânicos do cinema estão cada vez mais parecidos com os humanos, física e mentalmente. Em alguns casos a semelhança estende-se a praticamente todas as funções, como em Esposas em Conflito (The Stepford Wives, 1974), no qual as esposas dos homens da cidadezinha de Stepford foram substituídas por mulheres robôs que não apenas obedecem cegamente aos seus senhores mas também "cumprem suas obrigações de esposa".
Ao contrário da apatia dessas gentis senhoras mecanizadas, o robô de O Projeto Questor (The Questor Tapes, 1974) tem preocupações humanitárias e existenciais, saindo pelo mundo à procura de seu criador. A história foi criada para a televisão por Gene Roddenberry, o pai de Jornada nas Estrelas, e deveria ser um seriado. Mas não vingou.


Projeto Questor (Universal TV).

Em 1977, George Lucas retomou o formato tradicional dos robôs para o resmungão porém simpático C-3PO de Guerra nas Estrelas, com seu revestimento metálico dourado, uma concepção que foi baseada no robô de Metrópolis. Em Star Wars – A Ameaça Fantasma (1999), C-3PO pode ser visto nuzinho, sem a roupagem dourada. O robô do filme Saturno 3 (1980) não deixou por menos e teve origem ainda mais nobre. Colin Chilvers, responsável pela criação, baseou-se em desenhos de Leonardo da Vinci.


Os robôs de Guerra nas Estrelas (DVD/ Fox).

Qualquer dúvida que pudesse restar de que os robôs estavam assumindo cada vez mais a aparência e modos humanos desapareceu por completo em 1982, ano em que surgiram os filmes Blade Runner – O Caçador de Androides e Androide: Mais Que Humano (Android). O primeiro já é um clássico da ficção científica no cinema, introduzindo o termo "replicantes" para os androides que desejavam viver tanto quanto os humanos e, impossibilitados, resolvem exigir seus direitos ao seu criador. Androide é um filme bem mais modesto, rodado em apenas 20 dias e com poucos recursos, mas que consegue apresentar uma visão sensacional de nossos amigos mecânicos, banidos numa estação orbital e impedidos de retornar à Terra, ainda que tentem desesperadamente mostrar que ainda são capazes de servir à humanidade.


Brion James, replicante em Blade Runner (DVD/ Warner).

Tecnologia
A fase mais recente dos homens mecânicos é marcada pela utilização de efeitos visuais surpreendentes. Não que todos os filmes do gênero apresentem essa característica, mas o que chamou a atenção foi um certo androide vindo do futuro. Tudo começou com O Exterminador do Futuro (The Terminator, 1984), com Arnold Schwarzenegger como o ser mecânico que, em 2029, está lutando contra os humanos e volta no tempo para exterminar aquela que seria a mãe do líder dos seres de carne.


Arnold Schwarzenegger em reparos, em O Exterminador do Futuro (DVD/ Fox).

Os efeitos deslumbrantes ficaram para a sequência, O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final (Terminator 2: Judgment Day, 1991), no qual Arnold retorna como o androide bonzinho enfrentando um colega capaz de mudar sua forma à vontade e regenerar seu corpo. Depois do que se viu nas telas nesse filme, parecia impossível pensar-se novamente em robôs com corpos metálicos, mas eles voltam a surgir.
Entre o primeiro e o segundo exterminador apareceram alguns filmes abordando o tema, alguns com seres interessantes, outros nem tanto. Em D.A.R.Y.L. (1985) o robô tem a forma de um jovem mentalmente bem dotado e a aventura é interessante, o que não é o caso de O Aniquilador (The Annihilator, 1986), produção para a TV que traz mais robôs tentando tomar o lugar dos humanos.
Mais interessante é Cherry 2000 (1986), que não pode ser considerado um grande filme, mas chama a atenção pela utilização de androides femininas como objeto sexual. John Malkovitch também foi androide e objeto de interesse sexual no fraquinho Construindo Um Cara Certinho (Making Mr. Right, 1986), no qual aparece como cientista e como sua réplica robô exata.
Um homem mecânico ao velho estilo – ou seja, construído de forma a não deixar dúvidas quanto ao que ele é –, aparece em Hardware – O Destruidor do Futuro (Hardware, 1990), com o violento robô Mark 13 agindo como centenas de robôs já agiram anteriormente.
O grande momento de criatividade ficou mesmo para o sensacional Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990), talvez o robô mais bem elaborado, criativo e solitário da história do cinema. O filme de Tim Burton tem o veterano Vincent Price como o cientista que constrói seu robô Edward (Johnny Depp), mas que morre antes de poder criar suas mãos artificiais. Assim, Edward permanece com enormes tesouras em lugar das mãos, que ele utiliza com perícia fora do comum. Ao contrário de outros robôs, ele não tenta tornar-se humano, mas os humanos tentam incorporá-lo ao seu modo de vida, o que quase o destrói.


Johnny Depp como o tristíssimo androide de Edward, Mãos de Tesoura (DVD/ Fox).

Outras duas aparições de robôs no cinema foram em Perdidos no Espaço (Lost in Space, 1998) e em O Homem Bicentenário (The Bicentennial Man, 1999). O primeiro é o famoso robô Robô do seriado da televisão, que surge inicialmente com uma roupagem moderna sensacional e, em alguns momentos, apavorante. É uma máquina de pouca inteligência, ao contrário do robô de O Homem Bicentenário, criação do escritor de ficção científica Isaac Asimov.


Perdidos no Espaço (DVD/ Warner).

Um defensor ferrenhos dos homens mecânicos, Asimov conseguiu elaborar um dos momentos mais comoventes da história dos robôs, contando os 200 anos de trajetória da criatura e sua luta para ser reconhecido como humano, o que implica num sacrifício muitas vezes impensável para os humanos comuns. Pena que o filme não seja tão bom quanto o conto.


O Homem Bicentenário (DVD/ Sony).

E por falar em Asimov, sua mais famosa série de contos sobre robôs, Eu, Robô (I, Robot. 1950), também foi levada às telas, bastante modificada, no filme com o mesmo título, em 2004. A direção de Alex Proyas prometia – afinal, ele dirigira o sensacional Cidade das Sombras, em 1998. Mas o filme ficou muito longe do clima criado por Asimov em seus contos, além de imaginar robôs capazes de massacrar seres humanos, o que não se vê nas histórias do escritor.


Will Smith, procurando um robô assassino em Eu, Robô (DVD/ Fox).

Em 2001, finalmente surgiu o esperado A.I. – Inteligência Artificial, projeto que começou com Stanley Kubrick, que faleceu em 1999, com o filme sendo dirigido por Steven Spielberg. Tem a vantagem de ter muita gente boa envolvida na produção e de ser baseado num excelente conto do excepcional escritor Brian Aldiss, um dos melhores da ficção científica. Haley Joel Osment, ainda vivendo dias de glória por sua atuação no filme Sexto Sentido, é o robô/androide David, elaborado para simular os sentimentos e reações de uma criança humana. Talvez seja a visão mais profunda do relacionamento possível entre os seres humanos e as criaturas artificiais que imaginam e criam, passando pela total irresponsabilidade humana em lidar com uma situação dessas. Apesar de um final que se estende além do necessário, o filme se mantém como um dos melhores de todos os tempos ao lidar com a questão dos robôs em nossa sociedade.


O momento da criação de um ser inteligente e capaz de sentir emoções, em Inteligência Artificial (DVD/ Warner).

Substitutos (Surrogates, 2009), também procura mostrar um pouco das possibilidades de transformações sociais provocadas pela utilização massiva de robôs e/ou androides. Nesse caso, eles são criados por uma empresa e têm a aparência exatamente igual à dos humanos aos quais são conectados mentalmente. Dessa forma, o “substituto” pode viver qualquer situação desejada pelo humano, sem que este corra algum tipo de risco; ele sente todas as emoções, sensações, etc., mas não pode ser afetado fisicamente. Claro que isso provoca uma revolução de valores, com algumas pessoas passando a viver dentro de suas casas, afastadas do mundo real, vivendo as experiências através dos androides. O filme não teve uma grande recepção entre a crítica, mas é muito bom.


Os Substitutos (DVD/ Buena Vista).